Título: Reajuste em dólar supera alta de preços no Brasil
Autor: Lamucci, Sergio ; Salgado, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2007, Brasil, p. A7

Produtores de bens de consumo, os setores de calçados, vestuário, eletroeletrônicos e veículos tiveram dificuldades para exportar neste ano, em decorrência do dólar barato. Mesmo assim, conseguiram aumentos de preços maiores no exterior do que no mercado interno. Embora a demanda doméstica cresça com força, a competição com produto importado e, em alguns casos, a queda de custos por conta do dólar barato dificultam reajustes mais elevados em reais. No exterior, a demanda ainda robusta abriu espaço para ganhos de preços, especialmente para quem fabrica produtos de maior valor agregado.

De janeiro a setembro, o preço médio de exportação de calçados subiu 15,9% em relação ao mesmo período do ano passado segundo dados da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), ao passo que, no mercado interno, a alta foi de 3,62%. Em veículos, os preços cresceram 6,2% no exterior e 0,68% no país. Para o fabricante, contudo, a valorização do câmbio ocorrida neste ano consome parte do aumento do preço em dólares, quando a receita das exportações é convertida em reais.

O setor de calçados é um dos que mais sofrem com o dólar barato. Em volume, as exportações caíram 3,9% de janeiro a setembro. Com um câmbio tão desfavorável, as empresas que conseguiram se manter no mercado externo foram as que investiram em produtos diferenciados, com maior valor agregado, avalia o economista Fernando Ribeiro, da Funcex. Foram essas companhias que conseguiram elevar os preços no mercado externo.

No mercado doméstico, a alta dos preços dos calçados no varejo foi bem mais modesta, atingindo 3,62% de janeiro a setembro, medido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Ainda que acima da elevação de 3% registrada pelo IPCA "cheio", é um percentual bem inferior ao obtido nos preços de exportação.

Para o economista Salomão Quadros, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o fato de haver menos concorrência do produto importado no setor de calçados ajuda a explicar por que as empresas do setor conseguiram um reajuste acima da inflação no mercado doméstico. "Pode entrar calçado chinês no país, mas o grosso do mercado doméstico é atendido pela produção nacional", diz ele. Além disso, o segmento enfrentou alguma pressão de custos, nota Quadros. De acordo com o Índice Geral de Preços de Mercado (IGPM), as cotações de couros e peles aumentaram 8,47% nos 12 meses terminados em novembro. Num momento de emprego e renda em alta, também há espaço para algum reajuste de preços, nota o economista Sergio Vale, da MB Associados. Mesmo assim, os aumentos estão longe de ser explosivos.

As empresas de vestuário, por sua vez, têm mais dificuldades para elevar preços porque há mais concorrência externa no segmento, diz Quadros, lembrando que há uma forte penetração de roupas importadas no país, principalmente de países asiáticos. Além disso, o custo de insumos no acatado ficou praticamente inalterado. Nos 12 meses até novembro, os preços de tecidos naturais tiveram alta de 0,24%, enquanto os tecidos artificiais caíram 0,98%.

No exterior, os fabricantes de produtos têxteis conseguiram reajustar os preços em 5,5%, ainda assim abaixo da média geral de 8,9% das exportações totais. Ao mesmo tempo, o setor viu o volume de suas exportações aumentar 4,8%. Nesse segmento, também sobreviveu no mercado externo quem oferece produtos diferenciados.

Os outros dois setores registraram ou queda ou estabilidade de preços no mercado doméstico. As cotações de aparelhos eletroeletrônicos caíram 1,97% de janeiro a setembro, e alguns segmentos tiveram recuos ainda mais expressivos. Os preços de microcomputadores caíram 12,59% no período. Segundo Vale, a queda do dólar, que derruba os preços dos insumos, e a forte presença dos importados, tanto de produtos acabados como de componentes, ajudam a explicar o tombo das cotações.

Quadros nota ainda que os ganhos tecnológicos ajudam a empurrar os preços para baixo - é o que tem ocorrido com televisores, celulares e computadores. No mercado externo, o setor sofreu muito: os preços subiram apenas 1,5% e o volume exportado despencou 21,5% até setembro.

No caso de veículos, o câmbio valorizado também derruba os custos, já que há muitos insumos importados. As importações também crescem e, ainda que representem uma parcela pequena do mercado doméstico, colaboram para segurar os preços, especialmente dos modelos mais caros.

Vale lembra, ainda, que a indústria automobilística tem uma capacidade instalada grande pelos altos investimentos feitos nos anos 90. Ela vem aumentando com força, mas a alta da produção nos últimos meses ainda não teria chegado ao limite, diz ele. No exterior, os preços dos veículos subiram 6,2%, mas o volume exportado caiu 5,1%. Ribeiro, da Funcex, explica que, como as indústrias automobilísticas são multinacionais, a política de reajuste de preços também é internacional, o que faz com que elas consigam repassar custos.

Para 2008, Juan Jensen, da Tendências Consultoria, acredita que as empresas continuarão a repassar preços com mais força no mercado interno. "Se a concorrência não estiver muito forte, o reajuste pode acontecer", diz. Ainda assim, não será nada que tire a inflação da casa dos dos 4%. Com importações em alta e aumento da capacidade produtiva por conta de novos investimentos vistos neste ano, Jensen acredita que o impacto nos preços não será preocupante.