Título: Novo cálculo do ONS pode poupar térmicas
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2007, Brasil, p. A8

O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) mudou, às vésperas da audiência pública prevista para hoje na Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o cálculo da quantidade mínima de água que deve ser armazenada nos reservatórios de hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste para assegurar o abastecimento de energia sem a necessidade de acionar usinas termelétricas. O percentual passou de 61% para 36% considerando o início de janeiro .

Embora o ONS tenha como missão evitar os riscos de médio e longo prazo para a operação do sistema, a principal conseqüência da mudança, se for aceita pela Aneel, será afastar a hipótese de um novo desabastecimento de gás em janeiro, como o episódio que afetou o Rio, no fim de outubro.

A definição do que os técnicos chamam de "curva de aversão ao risco" - ou seja, o volume de água estocado nas represas - é procedimento comum nesta época, mas tornou-se um assunto especialmente relevante depois do episódio de outubro. Na ocasião, faltou gás natural para outros usos porque a Petrobras desviou parte do abastecimento a usinas térmicas.

A possibilidade de uma nova crise em janeiro foi aventada pela própria Aneel, após a proposta encaminhada pelo ONS para a curva de aversão ao risco nos próximos dois anos. A proposta do ONS gerou repercussão imediata porque previa a necessidade de que os reservatórios no Sudeste e no Centro-Oeste estivessem com 61% de seu volume máximo em 1º de janeiro. O dado assustou o setor elétrico porque dificilmente esse nível poderá ser atingido em menos de 30 dias. Na semana passada, os reservatórios continuavam abaixo de 50% de sua capacidade total.

Se o nível não for atingido, terão que ser ligados 4.189 megawatts (MW) de térmicas - não só a gás, mas aquelas movidas a óleo combustível. Isso não significa, absolutamente, que o país esteja à beira de um racionamento. Mas indica que é preciso recompor o nível das represas para evitar que esse problema apareça ao longo do biênio.

A alteração proposta pelo ONS reduz de 61% para 36% o nível mínimo dos reservatórios em 1º de janeiro. Ao fim do mês, em vez dos 65% previstos na proposta anterior, o nível exigido para a segurança do sistema cai para 53%. Para implantar essa mudança, o ONS acabaria fazendo uma "troca" - em vez de enfrentar um sufoco já em janeiro, aponta compromissos mais rigorosos de armazenamento de água nos reservatórios no decorrer de 2008 e de 2009.

O ONS recorreu a uma sutileza para embasar sua nova proposta. Na anterior, adotava como referência (muito conservadora) uma média dos quatro piores biênios em volume de chuvas - 1933/34, 1953/54, 1954/55 e 1955/56. Na nova proposta, o ONS pega apenas o biênio 1933/34. Naquele biênio, choveu pouco durante o ano, exceto em janeiro, quando a afluência foi de 114% da média histórica.

Nos outros biênios, apesar de a média anual de precipitações ter sido parecida com a de 1933/34, os meses de janeiro tiveram chuvas bem mais fracas, entre 45% e 65% da média. Assim, a adoção de apenas um biênio ruim de chuvas alivia a situação de janeiro, minimizando a necessidade de acionamento das térmicas e diminuindo o risco de desabastecimento de gás, mas há uma contrapartida.

O próprio ONS afirma, em documento levado à Aneel, que "a partir do final de maio de 2008 a nova curva passa a ter trajetória superior à originalmente calculada". Pela anterior, o nível mínimo dos reservatórios no Sudeste e Centro-Oeste, em dezembro de 2008, deveria ser de 33%. Pela nova, o patamar sobe para 39%. De certa forma, transfere-se a necessidade de acionar as térmicas, se o regime de chuvas não ajudar, para a frente. Há quem veja na proposta do ONS uma tentativa de comprar a tranqüilidade presente pela assunção de riscos futuros. Caberá à Aneel, que discutirá o assunto hoje em audiência, dizer se aceita ou não os argumentos do ONS. A agência decidirá em meados de dezembro.