Título: Cláusulas 'take-or-pay' em contratos de gás
Autor: Leonardo Miranda da Silva
Fonte: Valor Econômico, 03/02/2005, Legislação & Tributos, p. E2

Tendo em vista a importância que o gás natural vem assumindo no cenário energético internacional, torna-se oportuno tratar de uma das questões mais relevantes nos contratos de compra e venda de gás: as cláusulas ""take-or-pay"". Em linhas gerais, ""take-or-pay"" é um arranjo contratual que estabelece que o comprador do gás está obrigado a (1) receber/retirar um determinado volume mínimo de gás junto ao vendedor, pagando o preço acordado pelo volume mínimo ou (2) caso não possa retirar o volume mínimo acordado, apenas pagar o preço ajustado. As cláusulas "take-or-pay" servem, primariamente, para garantir a estabilidade do fornecimento do gás ("security of supply") do ponto de vista tanto do comprador quanto do vendedor. Sob a perspectiva do vendedor, considerando que os investimentos em infra-estrutura são normalmente de capital intensivo e de longo-prazo, as cláusulas "take-or-pay" funcionam, por exemplo, para assegurar o fluxo financeiro que será usado no pagamento da dívida tomada pelo vendedor para construir a infra-estrutura do projeto - considerando que, em grande parte dos projetos, os investidores buscam financiamentos para dividir os riscos inerentes a ele. Do ponto de vista do comprador, se, por exemplo, o mesmo for também um fornecedor do gás que será adquirido (ou utilizar o gás para produzir outro produto, como geradores de energia elétrica), a cláusula "take-or-pay" serve para garantir que o comprador terá condições de atender à demanda dos seus consumidores/clientes. No cenário ideal, o comprador deve procurar contratar com alguns dos seus clientes (os maiores) via arranjos de "take-or-pay" que garantam que ele, comprador, terá um fluxo financeiro suficiente para cumprir com as suas obrigações de "take-or-pay" assumidas perante seus fornecedores de gás (essas estruturas são conhecidas como "back-to-back provisions"). Todavia, em contratos de longo prazo com cláusulas "take-or-pay", as partes devem se certificar de que o contrato tem condições de sobreviver caso haja alteração nas circunstâncias sob as quais a contratação foi celebrada. É nesse contexto que entram em cena cláusulas como a dos direitos de recomposição, direitos de compensação, interrupção do "take-or-pay", de aumento do preço, de revisão do preço e de renegociação. A cláusula de direitos de recomposição ("make-up rights") estabelece que, caso o comprador de gás tenha pago pelo gás nos termos do acordo de "take-or-pay", mas não tenha retirado o volume mínimo acordado, poderá compensar o volume de gás pago mas não retirado contra futuros volumes retirados acima da obrigação de "take-or-pay" - ideal, portanto, que o volume de "take-or-pay" não seja muito elevado, já que o comprador terá sempre que cumprir com a obrigação de "take-or-pay" do período atual antes de efetuar a recomposição.

As "take-or-pay" servem para garantir estabilidade no fornecimento do gás do ponto de vista do comprador e do vendedor

No caso dos direitos de compensação ("carry-forward rights"), o comprador compensará volumes retirados (e pagos) acima da obrigação de "take-or-pay", com volumes retirados no futuro que estejam abaixo da obrigação de "take-or-pay", não sendo obrigado a pagar pelo resíduo de TOP não retirado (exatamente em razão da compensação). Se o contrato for parte de operação de project finance, possivelmente os financiadores irão requerer limites nos prazos para compensação, para que o direito não vigore indefinidamente durante a vigência contratual (normalmente longa) e, com isso, o fluxo de caixa corra o risco de ser prejudicado em algum momento. A cláusula de interrupção do "take-or-pay" ("take-or-pay holidays") prevê que a obrigação de "take-or-pay" será reduzida nos anos iniciais do contrato. Com isso, a partir de determinado ponto, volumes retirados a menor serão compensados a uma taxa (anual ou mensal) acordada entre as partes - via acréscimo de percentual no volume mensal a ser retirado pelo comprador, até que o volume não retirado no início seja completamente tomado, por exemplo. A cláusula de aumento do preço ("price escalation") protege as partes contra variações imprevistas no preço de mercado de produtos concorrentes do gás (ou outros comparativos como inflação, índice de preços etc. que possam afetar o equilíbrio do contrato). No caso da revisão do preço ("price-break"), o preço será revisto periodicamente (mensal, quinzenal, semanalmente etc) sem qualquer razão especifica. E, por fim, nas cláusulas de renegociação ("renegotiation clauses"), as partes especificam alguns eventos possíveis de ocorrer durante a vigência contratual e prevêem como o contrato deverá ser alterado para manter o equilíbrio entre as partes. Alternativamente, as partes podem simplesmente concordar genericamente que, na ocorrência de qualquer evento que afete o equilíbrio contratual, as partes envidarão melhores esforços para negociar uma solução que restabeleça o status inicial. Seja qual for o mecanismo, desde que previsto no contrato, será, muito provavelmente, a via menos onerosa e delongada de renegociação. Embora haja uma tendência mundial à formação de mercados "spot", isso não deve eliminar a importância das cláusulas "take-or-pay" no curto e médio prazo. Muito pelo contrário, é razoável concluir que, desde que devidamente redigidas e compreendidas pelas partes, estruturas de "take-or-pay" podem conviver com mercados "spot".