Título: Fiesp quer deixar Venezuela fora do Mercosul
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2007, Brasil, p. A3

Enquanto não adotar claramente e com detalhes os compromissos comerciais assumidos com o Mercosul, a Venezuela deve ser mantida fora do bloco, acreditam os dirigentes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que só nesta semana decidiu uma posição comum em relação ao polêmico candidato a parceiro de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. "O Mercosul é um sucesso comercial, mas os problemas institucionais estão se acumulando e só aumentam com a entrada da Venezuela", diz o diretor-adjunto do Departamento de Relações Internacionais de Comércio Exterior da Fiesp, Thomas Zanotto.

Os diretores da Fiesp aprovaram informalmente, na segunda-feira, uma nota técnica apresentada por Zanotto sobre a adesão da Venezuela ao Mercosul, que aponta pequenos ganhos econômicos com a integração da Venezuela ao bloco, e "potencial prejuízo político". A nota ressalta a resistência do governo da Venezuela em fixar o cronograma de abertura comercial com a Argentina e o Brasil e lembra que já há um processo de liberalização de comércio com a Venezuela, acertado no acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a Comunidade Andina, pelo qual os venezuelanos já se comprometeram a retirar barreiras às mercadorias argentinas e brasileiras até 2018.

A nota da Fiesp é a manifestação mais forte da indústria paulista de restrições à entrada da Venezuela. O documento reconhece que o país tem sido um mercado importante para os produtos industrializados do Brasil, especialmente automóveis, e fonte de receita significativa para empresas de serviços como a Odebrecht, que já concluiu três linhas do metrô de Caracas e pretende atuar na quarta linha. Petrobras e Vale do Rio Doce têm planos de investimentos para o país. Os fortes interesses empresariais vinham moderando as manifestações da Fiesp, mas as preocupações com as conseqüências da agressiva política externa de Chávez determinaram a mudança de tom.

Ao solicitar a entrada no Mercosul a Venezuela comprometeu-se em antecipar o início do livre comércio para 2014, mas o presidente Chávez resiste a definir as listas dos produtos que teriam liberação imediata e dos que só teriam tarifas de importação reduzidas a zero no fim do prazo para estabelecimento do livre comércio. A Fiesp, fazendo coro à Confederação Nacional da Indústria (CNI), que já tinha feito manifestação semelhante, critica a Venezuela também pela falta de definições sobre temas técnicos importantes, como os critérios de normas de origem ou a adoção dos acordos do Mercosul com terceiros países.

Terminou em 18 de novembro o prazo para o grupo de trabalho que deveria dar respostas às pendências nas discussões da Venezuela com o Mercosul, entre elas a adoção, pelos venezuelanos, da nomenclatura comum do Mercosul (NCM, usada para classificação dos produtos no comércio externo), as listas de produtos que adotarão a tarifa externa comum do bloco e a maneira como o país pretende adotar os tímidos avanços para acabar com a dupla cobrança de imposto de importação nos produtos de outros países que transitam de um sócio a outro. Esse grupo deveria concluir os trabalhos em maio, teve o prazo estendido, mas os venezuelanos rejeitaram as datas de reunião.

Ao Itamaraty, os representantes de Hugo Chávez disseram não ver razão de prosseguir nas discussões técnicas quando dois dos sócios do Mercosul, Brasil e Paraguai, ameaçavam recusar o protocolo de adesão da Venezuela, um documento de caráter essencialmente político, de manifestação do interesse mútuo de associação entre o país e o bloco do Cone Sul.

Para a Fiesp, que elaborou a nota técnica com a intenção de influir no debate no Congresso brasileiro sobre a entrada do novo sócio no Mercosul, as atitudes dos assessores de Chávez levam "a crer que o atual governo venezuelano tem intenções de fazer uso meramente político do Mercosul em lugar de se adaptar ao enquadramento institucional e normativo do bloco".

A nota da Fiesp também mostra preocupação com o futuro das negociações comerciais do bloco, com países como os da União Européia ou os Estados Unidos. "As divergências de relacionamento da Venezuela coincidem em grande parte com os principais destinos das exportações brasileiras", diz o documento, que teme "empecilhos" postos por Chávez aos acordos, com "prejuízos econômicos" ao Brasil.

Embora classifique o posicionamento da Fiesp como "90% técnico", Thomas Zanotto reconhece que a nota toca em temas políticos e chega a defender que, caso os parlamentares brasileiros aprovem a entrada da Venezuela no Mercosul, devem condicionar a decisão a "compromissos específicos e efetivos desse país com os preceitos democráticos e de estabilidade da região".