Título: Eleição esquenta debate sobre clima nos EUA
Autor: Balthazar, Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2007, Internacional, p. A14

Os milhares de burocratas, cientistas e ativistas que se reunirão a partir desta semana numa conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) na Indonésia para discutir o clima do planeta esperam pouca coisa dos EUA. O governo americano há anos trata o tema com relutância e ninguém prevê mudanças significativas antes de 2009, quando o presidente George Bush entregará as chaves da Casa Branca para o sucessor.

Mas o tom da conversa está mudando em Washington. No Congresso, propostas que podem levar o governo a assumir papel mais ativo no combate ao aquecimento global têm recebido apoio de gente que até outro dia estava ao lado de Bush. O principal projeto em discussão ganhou a assinatura de quatro senadores do Partido Republicano, que apóia o presidente.

Na corrida para as eleições presidenciais do ano que vem, a idéia é defendida com vigor pelos candidatos do Partido Democrata, que fazem oposição a Bush e estão na frente nas pesquisas. Dois candidatos republicanos também pedem mudanças. Algumas das maiores empresas americanas se uniram para pressionar os políticos a fazer algo. Vários governadores estaduais começaram a agir.

Ainda é cedo para saber o que exatamente vai resultar dessa movimentação, mas ela é observada com otimismo. "Algumas das iniciativas que estão em debate representam os primeiros esforços realmente sérios para lidar com o problema na esfera federal", disse ao Valor o economista Joseph Aldy, do Recursos para o Futuro, um centro de estudos de Washington.

O principal projeto em discussão no Congresso foi apresentado pelos senadores Joe Lieberman, ex-democrata hoje sem filiação partidária, e John Warner, que é republicano. Eles propõem a criação de um sistema para controlar a emissão dos gases que contribuem para o aquecimento global e forçar as indústrias americanas a reduzir de maneira significativa suas emissões nas próximas décadas.

O plano tem como meta reduzir o volume de emissões dos EUA em 70% até 2050, um objetivo próximo da redução de 80% que os cientistas consideram necessária para evitar que a temperatura do planeta atinja níveis mais perigosos. Fábricas, companhias de energia elétrica, refinarias e até o consumo residencial de gás natural para aquecimento teriam que se enquadrar em limites estabelecidos na lei.

O governo definiria a cada ano um teto para o volume total de emissões e venderia um número equivalente de licenças em leilões públicos. Como seria preciso pagar para continuar poluindo, as empresas teriam um incentivo para investir em tecnologias mais limpas. Indústrias que conseguissem reduzir mais suas emissões poderiam vender licenças de emissão para outras empresas, o que diminuiria os custos da transição.

O projeto ainda está numa etapa inicial do processo legislativo, mas já recebeu manifestações de apoio do meio empresarial e de grupos ambientalistas. É uma novidade no contexto americano. Bush está no poder há sete anos e só admitiu recentemente que o aquecimento global é um problema. Ele é contra o estabelecimento de limites para emissões do país.

Bush e a maioria dos republicanos acreditam que a adoção de limites imporia custos muito elevados às empresas americanas e afetaria sua capacidade de competir com indústrias sediadas em países sem controles tão rigorosos. Mas hoje em dia até grandes empresas como a General Electric, a Alcoa e a BP têm feito pressão em Washington para que sejam impostas restrições às emissões nos EUA.

Essas empresas acham que a criação de um sistema nacional como o proposto no Senado é só uma questão de tempo e por isso estão se mobilizando para influir no seu desenho. "Haverá custos para enfrentar o problema, mas todos já perceberam que não fazer nada criaria custos maiores", disse ao Valor o biólogo Thomas Lovejoy, presidente do Centro Heinz, um instituto de pesquisas ambientais.

É considerada improvável a aprovação de um projeto controverso como o de Lieberman e Warner em 2008, em plena campanha eleitoral. Mas a proposta ganhará impulso se o próximo presidente americano for um democrata e se o partido mantiver o controle sobre o Congresso, onde virou maioria no começo deste ano.

Hillary Clinton e Barack Obama, candidatos que lideram a corrida presidencial entre os democratas, apresentaram planos muito parecidos com o projeto em discussão no Senado. Eles defendem metas até mais ambiciosas para reduzir as emissões. Entre os candidatos que disputam a indicação do Partido Republicano, John McCain é o único que abraçou idéia semelhante por enquanto.

O resultado da discussão nos EUA terá implicações profundas. Na reunião que acontece na Indonésia nesta semana, representantes do mundo inteiro começarão a discutir o formato de um tratado internacional para combater o aquecimento global e que deve constituir a segunda fase do Protocolo de Kyoto, que expira em 2012. O desejo da ONU é assinar um novo tratado no final de 2009.

A campanha presidencial e o debate no Congresso vão indicar os limites que o sistema político americano considera aceitáveis para um novo acordo. O resultado vai definir a capacidade que os EUA terão de influir no desenho do pós-Kyoto e de pressionar países emergentes, como Brasil e China, a aceitar limites para suas emissões.

"Outros países só voltarão a ouvir o que o governo americano tem a dizer sobre esse assunto quando adotarmos políticas domésticas mais sérias", disse ao Valor Jonathan Pershing, diretor do Instituto de Recursos Mundiais (WRI, na sigla em inglês).

Resgatar a influência dos EUA nesse campo é outra preocupação importante dos candidatos democratas. Hillary e Obama defendem em seus programas a criação de um novo fórum internacional para lidar com o aquecimento global, onde Brasil, China, Índia, México e África do Sul teriam assento ao lado dos EUA e dos países mais desenvolvidos.