Título: Gastança do brasileiro no exterior é recorde
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 26/01/2011, Brasil, p. 11

Valorização do real frente ao dólar encoraja viagens internacionais. Saldo fica negativo em US$ 10,5 bi

O consumo desenfreado dos brasileiros no exterior chegou ao seu patamar recorde em 2010. As viagens, principalmente a Miami, nos Estados Unidos, e a Buenos Aires, na Argentina, deixaram um saldo negativo de US$ 10,5 bilhões ¿ um montante que representa quase 25% do rombo nas contas externas. Frente a 2009, o volume do ano passado é 90% maior. Com o dólar cada vez mais baixo, a tendência é de que esses valores continuem em alta. Apenas em dezembro, US$ 1,1 bilhão foi deixado no estrangeiro.

O cartão de crédito é a opção de pagamento mais usada pelos brasileiros e, em 2010, os gastos com ele atingiram patamar recorde. De todas as despesas realizadas lá fora, US$ 10,1 bilhões foram com o dinheiro de plástico. Na comparação entre os números do ano passado e a média dos últimos nove anos, 2010 obteve um desempenho muito superior: 325,8% maior que a média do período.

Especialistas alertam que comprar no cartão de crédito oferece riscos e vantagens para o turista. Além da segurança de não ter de levar dinheiro em espécie, o consumidor pode se beneficiar caso a cotação do dólar, na data do fechamento da fatura, esteja inferior à da data da compra. Porém, o inverso também pode ocorrer e a moeda se valorizar no período, deixando a conta ainda mais cara.

Compras O resultado expressivo de 2010 se explica em parte pelo dólar enfraquecido, mas as principais determinantes para o avanço da gastança foram as melhores condições de renda e emprego. ¿O brasileiro passou a ter condições de viajar mais¿, constata Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central. Outro fator que influenciou as compras em solo estrangeiro foi a pesada carga tributária no Brasil. Em função dela, torna-se mais vantajoso comprar no exterior do que no país.

A estudante Rayane Elisia Barbosa, 20 anos, é parte do contingente brasileiro atraído pelos bons preços no exterior. No fim de 2010, ela foi a Orlando e a Miami, trouxe uma mala cheia de bolsas, roupas, calçados e cosméticos. ¿Dependendo da época, os preços de lá ficam até 45% mais baratos do que os daqui. Eu, geralmente, vou para fazer turismo, mas acabo comprando muito¿, diz. Segundo a jovem, é um bom negócio fazer compras fora, mesmo em países da América Latina. ¿Quando eu fui à Argentina, também voltei com muita coisa, principalmente, maquiagens¿, relata.

O empresário Paulo de Tarso da Costa Leite, 27 anos, também faz muitas compras no exterior, a maioria delas no cartão de crédito. Só no ano passado saiu do país quatro vezes. ¿Claro que é importante conhecer a cultura do lugar, mas os valores dos produtos são muito vantajosos. Uma camisa de marca aqui equivale a três lá fora¿, frisa. Nas últimas duas viagens internacionais ¿ para Miami, em julho do ano passado, e o Uruguai, em dezembro ¿, o empresário gastou cerca de R$ 17 mil em produtos como roupas, eletrônicos e perfumes. Neste ano, quer voltar aos EUA em dezembro. ¿Eu gostaria de ir pelo menos duas vezes por ano, mas agora tenho que pagar as contas de cartão de crédito, referentes às viagens. Vou tentar juntar dinheiro até lá¿, afirma. ¿Muitas vezes a economia nos itens adquiridos no exterior até pagam a passagem¿, acrescenta.

Para Altamir Lopes, é preciso destacar ainda que não só as despesas lá fora cresceram. Os gastos de estrangeiros no Brasil também alcançaram volume recorde no ano passado, um montante de US$ 5,9 bilhões. A tendência, na avaliação de especialistas, é que esses desembolsos em território verde e amarelo cresçam, mas não na proporção das despesas brasileiras no exterior.

Incertezas A crise financeira que se propagou pelo mundo a partir de 2008 ainda faz sentir seus efeitos e impacta diretamente na decisão de gastos e viagens de europeus, norte-americanos e asiáticos. A maioria está em recuperação, com altos índices de desemprego e em um processo que diminui o alcance do estado de bem-estar social, gerando muitas incertezas para o futuro.

O Brasil está no foco das principais empresas multinacionais e, em 2010, o ingresso de investimentos estrangeiros diretos, recursos destinados ao setor produtivo, bateu recorde. Foram US$ 48,4 bilhões, volume suficiente para cobrir o deficit nas contas externas, de US$ 47,5 bilhões, e ainda livrar o governo de uma dor de cabeça. Em dezembro, o país também recebeu mais investimentos do que frente a todos os meses desde 1947: registrou a entrada de US$ 15,3 bilhões.

Uma operação envolvendo a companhia petrolífera hispano-argentina Repsol YPF, no valor de US$ 7,1 bilhões, evitou que o país dependesse de capital especulativo para financiar parte do rombo nas transações correntes. ¿Algumas operações que esperávamos para o início de 2011 se concretizaram em 2010¿, disse Altamir Lopes, chefe do Departamento Econômico do Banco Central.

O desempenho dos investimentos para o setor produtivo foi 86,8% superior ao de 2009, quando esse capital somou US$ 25,9 bilhões. ¿O potencial de crescimento no Brasil em um mundo estagnado tornou o nosso país interessante para investimentos¿, justificou Armando Castellar, professor de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Os países que mais investiram no Brasil em 2010 foram Luxemburgo, com US$ 8,6 bilhões, Holanda (US$6,6 bilhões), Suíça (US$ 6,4 bilhões) e Estados Unidos (US$ 6,2 bilhões). Altamir Lopes alerta, porém, que grande parte dos recursos, a exemplo dos três primeiro países, podem ter outras origens. Luxemburgo, de onde vieram os recursos aplicados no setor petrolífero em dezembro, é um paraíso fiscal. O dinheiro da operação veio de uma empresa chinesa. ¿Grande parte dos recursos vem desses paraísos¿, explicou Lopes. (VM)

Invasão da moeda dos EUA » A enxurrada de dólares em direção ao Brasil se acentuou neste início de ano com a elevação da taxa básica de juros em 0,5 ponto percentual. Até a sexta-feira, 21 de janeiro, o país registrava um saldo positivo de US$ 9,2 bilhões. Preocupado com todos esses recursos e com a incessante desvalorização do dólar, o Banco Central anunciou uma nova ferramenta para adquirir a divisa norte-americana. Além de atuar no mercado futuro e no à vista, vai entrar no mercado a termo, no qual compra dólares com data marcada e com um preço já acordado em um leilão com o mercado.