Título: Governo perdeu tempo e a CPMF ficou para última hora
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2007, Opinião, p. A16

O governo cometeu uma seqüência de equívocos na condução do debate e das negociações políticas para a prorrogação da Contribuição sobre Movimentação Financeira (CPMF) e da Desvinculação das Receitas da União (DRU). Em 2005, o governo foi alertado para o fato de que a prorrogação desses dois instrumentos fiscais deveria ser proposta ainda naquele ano, no âmbito de um programa de ajuste fiscal de longo prazo para zerar o déficit público nominal. O então deputado Delfim Netto formalizou a sugestão com o apoio do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo.

A prorrogação, dizia-se na época, seria de interesse de todos os candidatos à Presidência da República em 2006, e, se aprovada, daria enorme conforto a quem assumisse em janeiro de 2007. O presidente Lula considerou que o momento político, no auge da crise do "mensalão", era inoportuno.

A PEC passou a ser parte do programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que o governo apresentaria ao país em janeiro de 2007. Na última hora, novamente foi descartada sob o argumento dos ministros da área econômica, de que a questão da CPMF e da DRU nada tinha a ver com um programa de desenvolvimento. Assim foi feito e a PEC só foi enviada ao Congresso no dia 23 de abril. Na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, porém, ela permaneceu por três meses, na gaveta do relator, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Cunha só elaborou o parecer aprovando a constitucionalidade da proposta após o governo, atendendo a uma demanda do deputado, indicar o ex-governador do Rio, Luiz Paulo Conde, para a presidência de Furnas.

Na Câmara, onde a PEC ficou cinco meses, os ministros perderam tempo enorme na defesa da integridade do projeto, assegurando que não admitiriam mudanças. Acabaram conseguindo aprová-lo como foi enviado. No Senado, onde o governo não tem maioria assegurada, a história se mostra bem mais complicada. O governo sabia disso, mas deixou o tempo correr.

A argumentação usada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para persuadir os parlamentares a aprovar a PEC foi considerada inconsistente e até mesmo infantil pela própria base política do governo. O ministro insistiu na tecla de que sem os R$ 40 bilhões da CPMF (e mais de R$ 89,2 bilhões de recursos discricionários da DRU), o governo cortaria os programas sociais (Bolsa Família) e as verbas para a Saúde. Um "argumentum ad terrorem" que não sensibilizou o Senado, principalmente pelo excepcional desempenho das receitas tributárias e a disposição do governo em aumentar o gasto público. Outro erro foi apostar no interesse, empenho e no poder dos governadores para persuadir suas bancadas no Senado. É sabido que a influência dos governadores é pequena justamente nessa casa.

Só no dia 25 de outubro é que de fato começaram as negociações com a oposição, com a reunião do ministro Mantega com os senadores tucanos. Eles levaram uma lista de propostas: inclusão da União nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, aplicação de um redutor do gasto público, diminuição da alíquota da CPMF, prorrogação da contribuição apenas por um ano, para que nesse intervalo se negociassem uma reforma tributária e aumento dos recursos para a saúde. Com atenção centrada nos tucanos, o governo foi perdendo votos na sua base aliada, até decidir retomar às pressas a conversa com os partidos da base.

Com apenas o mês de dezembro para arrancar a aprovação da PEC, o governo resolveu mudar o discurso. Não é o Bolsa Família que pagará a conta de uma rejeição da medida. Será a própria estabilidade macroeconômica que, com uma política fiscal mais frágil, terá que se apoiar mais na política de juros, com todos os custos que ela provoca na taxa de câmbio.

A declaração do presidente Lula, de que "quem teme a CPMF é sonegador" , com base na tese de que a contribuição é um instrumento indispensável para a fiscalização da Receita, também é questionável. Especialistas tributários indicam que com um decreto regulamentando o artigo 5° da lei complementar 105, de 2001, o fisco conseguirá fazer o mesmo trabalho que a CPMF faz, ao confrontar a movimentação financeira com a renda declarada do contribuinte. Só agora, portanto, com prazo exíguo para resolver esse problema, o governo acerta um discurso que, pelo menos, é mais racional.