Título: China barra Brasil no Oriente Médio
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2007, Brasil, p. A6

Na sexta-feira passada, Fahad Al-Otaibi, gerente-geral da Explore - grupo que inclui incorporadora imobiliária, revenda de carros e trading - tomou seu jatinho particular em Doha com destino a Dubai. Um dos mais influentes homens de negócios do Catar, Al-Otaibi é apaixonado por aviação e gosta de pilotar. Seu único objetivo nessa viagem era se encontrar com empresários brasileiros. Ele chegou vestido com a túnica branca muçulmana.

Edilene Gravia, diretora da área internacional da Gravia, fez uma apresentação para Al-Otaibi da empresa de sua família. Fabricante de portas e janelas de aço, com fábricas em Brasília e em Anapólis (GO), a Gravia fatura cerca de R$ 150 milhões por ano e emprega 600 funcionários. Edimilson Santos e Sanny Japiassú, da US Matic, contaram os planos de estabelecer uma filial de sua fábrica de hidrômetros no Oriente Médio. A reunião terminou com a promessa de uma visita às empresas brasileiras em janeiro, quando Al-Otaibi viajará ao Brasil, onde pretende passar o Carnaval. Os brasileiros saíram entusiasmados do encontro.

Um bom negócio fechado com um empresário desse porte pode significar uma guinada na trajetória de uma empresa. Segundo Michel Alaby, secretário-geral da Câmara de Comércio Árabe Brasileira, algumas características transformaram o Oriente Médio em um dos mercados mais atrativos do mundo: alta renda, investimentos públicos e privados em abundância (financiados pelos recursos do petróleo), tarifas de importação que não superam 5%, e a necessidade de diversificar fornecedores para atender a robusta demanda.

Desse ponto de vista, parece o paraíso prometido por Alá para os negócios. Mas os empresários brasileiros que integram a missão comercial organizada pela Agência de Promoção de Exportações (Apex) e pela câmara árabe, também estão percebendo, na prática, as dificuldades. A distância entre o Brasil e o Oriente Médio é longa e há poucos navios disponíveis, o que encarece o custo do frete. Existem barreiras lingüísticas e culturais. A negociação é morosa, uma característica da cultura árabe. E, principalmente, como se trata de um dos mercados mais abertos do mundo, a concorrência é intensa, principalmente com europeus e chineses.

A empresa catarinense Gabriella Revestimentos Cerâmicos bateu de frente na muralha que é imposta pela China. Robson Caciatori, gerente de vendas, fez contato com um grande importador do Kuait, mas descobriu que não poderia vender para esse cliente flechas de cerâmica (que compõem faixas decorativas em cozinhas e banheiros), produto que é seu carro-chefe. Segundo o importador, o mesmo item chega da China por 60% do preço do brasileiro. Além disso, o frete de um contêiner de flechas cerâmicas da China para o Kuait sai por US$ 700, enquanto vindo do Brasil chega a US$ 2.150.

"Mesmo com a qualidade do produto, a marca, o prazo para pagamento, não somos competitivos", diz Caciatori. "Com o dólar a R$ 3,50, conseguiríamos fazer o mesmo preço dos chineses. Quando começamos a exportar em 2004, o câmbio estava nesse patamar", reclama. O executivo, no entanto, ainda não desistiu do negócio. Ele enviou cotações de um azulejo de cerâmica especial que exporta para os Estados Unidos. É um produto similar ao que o Kuait já compra na Espanha. Só que, nesse caso, o preço do Brasil é competitivo, embora o potencial de volume de vendas seja menor.

O gestor de projetos da Apex, Ricardo Santana, admite que "é complicado concorrer com a China". Ele ressalta, no entanto, que os árabes estão dispostos a pagar por qualidade, o que explica o sucesso de italianos e espanhóis nesse mercado. Pesquisa realizada pela agência brasileira apontou que os empresários árabes do setor de construção civil, um dos mais pujantes da região, dão prioridade à qualidade, disponibilidade e preço - geralmente nessa ordem - na hora da compra de insumos

Em 2005, as economias do Kuait, Catar e Emirados Árabes Unidos - países visitados pelos empresários brasileiros - cresceram 13%, 7% e 9%, respectivamente. O Brasil, no entanto, praticamente não participa dessa explosão. De acordo com a câmara árabe, o país exportou US$ 2,9 bilhões para os países do Golfo de janeiro a outubro deste ano, crescimento de 9% em relação a igual período em 2006. É um valor pequeno, no qual as commodities agrícolas e minerais representam mais de 60%. Os produtos que mais se destacam na pauta de exportação de manufaturados são maquinário (US$ 166 milhões) e veículos e autopeças (US$ 104 milhões).

Para o diretor-geral da Associação de Empresários do Catar, Bassam R. Massouh, cabe ao setor privado brasileiro o esforço inicial de incrementar esse comércio e estreitar as relações. "As empresas brasileiras têm que expressar o interesse por essa região, colocá-la na agenda e vir mostrar os seus produtos. Todos os países do mundo estão prestando atenção ao que acontece por aqui", afirma.

A cerâmica Gyotoku, que possui uma fábrica em Suzano (SP), participa pela segunda vez consecutiva da Big 5, feira da construção civil em Dubai. De acordo com Marcus Amato, gerente de exportação da empresa, as vendas da Gyotoku para o Oriente Médio saltaram de US$ 30 mil em 2006 para US$ 200 mil no ano passado. O aumento é expressivo, mas a região responde por apenas 2% dos US$ 11 milhões que a Gyotoku deve faturar com exportações este ano.

Segundo o executivo, as principais dificuldades no Oriente Médio são o prazo de entrega, que chega a 45 dias, a valorização da moeda brasileira, a falta de conhecimento sobre o Brasil e a forte concorrência. "É um mercado muito aberto. Espanha, Itália e Turquia são fortes no nosso segmento". A Gyotoku também optou por não concorrer com a China. Está vendendo produtos no Oriente Médio com valor agregado, o que significa preço 60% superior ao chinês, similar ao espanhol e mais barato que o italiano.

Najá Domingos, Hidelberto Pereira Alencar e Josias Inojosa de Oliveira Filho fazem parte da Brazilian Gypsum, consórcio de 23 empresas da região do Ararapibe, em Pernambuco, que produz gesso. Concorrentes no mercado interno, essas companhias uniram forças em 2000 para exportar e já vendem para Estados Unidos, Caribe, América Central, África e Europa. Mas é a primeira vez que estão no Oriente Médio. Os executivos contam que o uso de gesso na região é mais intensivo do que imaginavam e já fizeram bons contatos. Por isso, planejam abrir um escritório comercial em Dubai, a exemplo do que já possuem nos Estados Unidos - iniciativa que pode facilitar a conquista do Oriente Médio.

A repórter viajou a convite da Agência de Promoção de Exportações (Apex)