Título: O mercado nuclear brasileiro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2007, Opinião, p. A16

A questão energética é crítica para o desenvolvimento de qualquer país e nenhum pode se descuidar dela. No caso do Brasil, a possibilidade de escassez e suas implicações na taxa de crescimento econômico vêm sendo motivo de preocupações de acadêmicos, empresários e de alguns setores do governo.

Do ponto de vista da segurança energética, petróleo, gás natural e minério de urânio possuem importâncias estratégicas similares. Observamos, no entanto, que o setor de petróleo e gás já se encontra bastante amadurecido, e as anunciadas reservas do campo de Tupi podem representar algum alívio para as necessidades de médio prazo. Por outro lado, o desenvolvimento de tecnologia de reatores nucleares demanda um tempo bem mais longo que o início de produção de um poço de petróleo e gás em águas profundas, após a sua descoberta, além de requerer elevado montante de recursos financeiros.

Com as preocupações crescentes com as mudanças climáticas, os países desenvolvidos voltaram seus olhos para a energia nuclear como uma opção limpa, por não envolver a emissão de gases de aquecimento global. Isso provocou o ressurgimento mundial da geração nucleoelétrica, observado nos últimos anos. Como conseqüência disto, os preços do minério de urânio, concentrado e purificado (yellow cake), e de alguns serviços do ciclo de combustível sofreram variações expressivas. No mercado internacional, em cinco anos, a libra-massa de yellow cake saltou de US$ 9,50 para US$ 95,00; a conversão de um quilo de óxido de urânio para hexafluoreto de urânio, necessário para o processo de enriquecimento, foi de US$ 5,50 para US$ 12,50; o custo do enriquecimento subiu de US$ 90,00 para US$ 135,00 por unidade de trabalho separativo; e o custo de fabricação dos elementos combustíveis, de US$ 275,00 para algo em torno de US$ 500,00 por quilo de urânio (Fonte: UxC Nuclear Fuel Prices Indicators).

Considerando-se as condições do Brasil, que possui reservas consideráveis de minério de urânio e pleno domínio tecnológico do ciclo do combustível, poderíamos encarar a situação atual como uma oportunidade de negócios e ser um participante ativo deste mercado mundial, gerando recursos para o nosso desenvolvimento pleno e garantindo a estabilidade do fornecimento elétrico do país.

Vamos fazer um exercício simples sobre o que poderíamos obter apenas com nossas próprias reservas de urânio e domínio tecnológico. Segundo a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), o país dispõe de 309 mil toneladas de minério de urânio. O custo de exploração, concentração e beneficiamento deste minério encontra-se estimado em US$ 22 bilhões e o valor de mercado do produto final, hoje, é da ordem de US$ 64 bilhões, resultando em uma diferença líquida de US$ 42 bilhões. A conversão das reservas em hexafluoreto de urânio resultaria em adicionais US$ 3,3 bilhões; o enriquecimento do urânio a 4%, típico de reatores a água leve pressurizada (PWR), outros US$ 32,1 bilhões; e a fabricação de elementos combustíveis, mais US$ 17,3 bilhões.

Em números aproximados, nossas reservas atuais poderiam proporcionar uma receita bruta de US$ 94 bilhões.

-------------------------------------------------------------------------------- Setor pode gerar recursos necessários para próprio financiamento, depende apenas de posicionamento político do governo --------------------------------------------------------------------------------

Obviamente, a comercialização total das reservas não seria recomendável e poderia comprometer nossas necessidades de geração elétrica. Entretanto, se considerarmos reatores nucleares típicos, dos quais podemos retirar 40 GW/dia por tonelada de combustível, nossas reservas poderiam gerar em torno de 11 bilhões de GWh(e), o que corresponde, aproximadamente, à geração contínua de 27.000 MW durante 50 anos. São números expressivos se observarmos que, juntas, as usinas nucleares Angra 1, 2 e 3 irão gerar apenas 3.300 MW.

Conclui-se que a comercialização de parte de nossas reservas poderia gerar receitas para viabilizar o desenvolvimento do setor nuclear brasileiro sem comprometer as reservas estratégicas de urânio. Diante do esforço já realizado pelo país, com o acordo nuclear Brasil-Alemanha e com o programa autônomo do Ministério da Marinha, em pouco tempo, o Brasil poderia se transformar em exportador de tecnologia de centrais nucleares e de serviços do ciclo do combustível, com enormes vantagens para o parque industrial brasileiro.

Não podemos esquecer, ainda, que estas reservas se encontram estagnadas há mais de dez anos, tendo em vista a inexistência de um mercado interno demandante. Com o apelo da comercialização controlada, a retomada da prospecção do minério de urânio poderá ampliá-las consideravelmente, da mesma forma como vem ocorrendo com as reservas de petróleo e gás.

Entretanto, o artigo 177 da Constituição Federal, em seu inciso V, constitui a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados em monopólios da União, impedindo a entrada de novos atores nestes segmentos. Convém lembrar que este mesmo artigo da Constituição teve seus incisos I a IV, referentes a petróleo e gás, alterados pela Emenda Constitucional Nº 9, de 09/11/1995, resultando em grande dinamização e avanço tecnológico nestes setores.

Decisões sobre nosso desenvolvimento nuclear são urgentes, sob pena de perdermos as oportunidades geradas pelo mercado nuclear aquecido, correndo, ainda, o risco de deteriorarmos ou tornarmos obsoleta nossa capacidade tecnológica, arduamente adquirida, do ciclo do combustível e em alguns segmentos da tecnologia de reatores nucleares.

Diante do exposto, é evidente que o setor pode gerar os recursos necessários para seu próprio financiamento, dependendo apenas de um posicionamento político do governo e o estabelecimento de um novo marco regulatório para este segmento estratégico.

Pedro Carajilescov é professor da UFABC.

João Manoel Losada Moreira, e Eloi Fernandez y Fernandez são professores da PUC-Rio.