Título: Israel e palestinos voltam à mesa de negociações
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2007, Opiniao, p. A14

A reunião de EUA, Israel e a Autoridade Palestina, assistida por mais de uma dúzia de representantes árabes e 49 países, realizada anteontem em Annapolis, terminou com a promessa, já repetida à exaustão ao longo de anos, de que israelenses e palestinos se empenharão seriamente para resolver suas diferenças, trazer a paz à região e estabelecer a convivência de dois Estados soberanos. Não é muita coisa, mas é o máximo que George Bush, Mahmoud Abbas e Ehud Olmert, três líderes fracos e impopulares, podem hoje obter. E, depois, é melhor ter rivais históricos procurando uma solução para seus problemas na mesa de negociações do que se bombardeando mutuamente.

Sete anos antes, em Camp David, sob o patrocínio de Bill Clinton, esperanças idênticas foram nutridas, frustradas e o fim foi trágico. O fracasso das negociações deu origem à segunda Intifada, que lançou nova espiral de violência. Por ação dos Estados Unidos, o mapa político da região mudou, e não se pode dizer que para melhor. Bush invadiu o Iraque em 2003 e lançou uma cruzada pela democracia que foi abortada em grande parte pelos próprios aliados, como o ditador egípcio Hosni Mubarak, pelo pouco caso da família real saudita ou pela Síria no Líbano. A conferência de Annapolis foi, então, parte de uma iniciativa americana para tentar soldar uma pequena parte dos cacos em que se transformou a política de Bush para o Oriente Médio e para o combate ao terrorismo.

A situação política regional, após essa cruzada, é mais instável que antes. A insurgência taleban recobrou suas forças no Afeganistão. O governo do ditador paquistanês Pervez Musharraf tenta se manter no poder sob a força das armas e de um estado de emergência de duvidosa eficácia. As forças pró-EUA e pró-Síria paralisaram o Líbano, destruído de novo por uma desastrosa invasão israelense, e não conseguem sequer eleger um novo presidente. O Irã desafia abertamente os EUA e segue em frente com seu programa nuclear. Do lado israelense, o panorama é também de crise aguda. Ohmert dilapidou o prestígio que o ex-premiê Ariel Sharon angariou para o novo partido Kadima. Voltou a ser prisioneiro da direita israelense, está cercado por denúncias de corrupção e tem um dos mais baixos índices de popularidade de que se tem notícia na história do país. A situação de Mahmoud Abbas é ainda pior. A Autoridade Palestina perdeu o controle territorial da faixa de Gaza para o rival Hamas, que foi eleito democraticamente em janeiro de 2006 pelos palestinos.

George Bush tem hoje pouca margem de manobra na política doméstica. Os democratas reconquistaram o poder na Câmara e no Senado e tornaram as iniciativas de Bush irrelevantes. A estratégia de buscar um marco externo para o fim de sua administração pode ser a única que lhe sobrou para dar algum fôlego a uma candidatura republicana de sucessão, diante da força do rolo compressor dos democratas na arena americana. É uma das poucas cartadas que Bush pode dar e não é impossível que se empenhe nela, embora seu inalienável apoio a Israel possa destruir até mesmo algumas sinceras intenções. Além disso, Bush tenta roubar terreno ao Irã no Oriente Médio, e a maciça presença árabe talvez possa lhe ser creditada como um pequeno trunfo político.

Assim que um comitê preparatório sentar-se à mesa em 12 de dezembro, todos os problemas voltarão a ter a brutal complexidade de sempre. Que o comunicado conjunto, arrancado a fórceps de Abbas e Olmert, não faça menção a eles não significa muita coisa. Todos os presentes sabem quais são as questões relevantes - as fronteiras do território do Estado palestino, a instalação da capital em Jerusalém e o direito de regresso de 4,5 milhões de exilados palestinos. As negociações podem prosperar se, ao contrário das outras vezes, precondições mínimas forem postas em prática: o fim dos ataques dos grupos radicais a Israel e o fim da expansão dos assentamentos israelenses na Cisjordânia. Até hoje não foram, e os EUA, patronos das iniciativas de paz, não se dispuseram a monitorar o cumprimento dos objetivos - ao que parece, estão dispostos a ter esse papel agora. As probabilidades de fracasso são enormes, mas qualquer chance para a paz é melhor do que nada.