Título: A nova assimetria do sistema monetário internacional
Autor: Hage, José Alexandre; Raffy, Pedro
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2007, Opiniao, p. A14

No final da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos deram grande impulso para a criação de organizações internacionais que tiveram o objetivo de ajudar na difícil administração que o mundo necessitava. Com o término da guerra não houve apenas a urgência de pôr ordem a uma situação caótica, mas também de entender o que se passaria depois: a reconstrução econômica e política dos países envolvidos na violência e o processo de descolonização dos continentes africano, asiático e americano, que acelerou muito após 1947.

As grandes potências européias haviam sido o palco sobre o qual ocorreu a Segunda Guerra. Grã-Bretanha e França, sobretudo, foram os países de linha de frente que mais perderam poder político e riqueza econômica por causa das ações militares em que tomaram parte. O resultado foi que perderam as condições não apenas de sustentar uma política colonial onerosa, mas também de contribuir com o conserto mundial.

Os Estados Unidos participaram da guerra, mas seus poderes políticos e econômicos foram resguardados, e isso possibilitou ao país liderar arranjos institucionais que se iniciaram em Bretton Woods, na costa leste, para a criação de duas importantes organizações, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird ou Banco Mundial).

A criação das duas organizações foi brindada como grande avanço para dar conta das crises num mundo em situação alarmante, onde não existiam recursos para reconstruir as nações vitimadas pela guerra e para ajudar os países pobres, ex-colônias, a ter um mínimo de capacidade de investimento em áreas sensíveis como educação pública, saneamento básico etc. Dessas instituições também foi demandado o treinamento de novos agentes com capacidade gerencial, para suprir as carências da administração pública. Portanto, não seria difícil vislumbrá-las como parte dos enormes esforços feitos para a democratização das relações internacionais.

Ao Banco Mundial se atribuiu, em grande parte, o papel de promoção do desenvolvimento dos países pobres. Era à poupança externa do banco que os países latino-americanos podiam recorrer para a construção de infra-estrutura em educação, saúde e energia. No caso do Brasil, as aplicações do Bird podem ser encontradas na ampliação do sistema científico e tecnológico, por meio da criação de órgãos de fomento do governo federal ou da expansão do ensino universitário público, inclusive hospitais e clínicas.

Já o FMI tinha o objetivo de garantir o ideal funcionamento do sistema monetário internacional sob um novo formato. Entrava em vigor o padrão dólar-ouro, um sistema baseado em paridades cambiais fixas das moedas em relação ao dólar norte-americano lastreado por reservas em ouro. Apesar da fixação das taxas de câmbio, havia a possibilidade do ajustamento delas no caso de um país apresentar necessidades para solucionar eventuais desequilíbrios no balanço de pagamentos.

-------------------------------------------------------------------------------- As políticas "empobreça-seu-vizinho", nas quais a desvalorização da taxa de câmbio beneficia um país, tornaram-se recorrentes --------------------------------------------------------------------------------

O sistema permitia que todas as moedas fossem desvalorizadas em relação ao dólar, mas inviabilizava a desvalorização do dólar em relação às demais moedas. Tal assimetria acarretava problemas para a sustentabilidade do padrão dólar-ouro, pois o aprofundamento do déficit americano em transações correntes, associado à perda de credibilidade dos demais países com relação ao lastro do dólar, resultou no abandono das taxas de câmbio fixas e na adoção dos regimes cambiais flutuantes a partir de 1973.

O novo sistema monetário internacional manteve o dólar como moeda reserva, em decorrência de sua característica de conversibilidade, já no início do acordo de Bretton Woods. O "Direito Especial de Saque", uma moeda criada pelo FMI com o objetivo de se tornar uma moeda internacional, produziu efeitos marginais e não alcançou os objetivos desejados. Cumpre ressaltar que o sistema monetário internacional sob taxas flutuantes foi não planejado, diferentemente de seu antecessor, o que contribuiu para a formulação e execução de políticas econômicas descoordenadas.

Observou-se desde então que, embora o sistema tenha se tornado teoricamente simétrico, já que todas as moedas podem ser desvalorizadas, o atual desenho provoca custos que podem superar seus benefícios. As políticas "empobreça-seu-vizinho", nas quais a desvalorização da taxa de câmbio beneficia um país em detrimento de outros, tornaram-se recorrentes, e é inequívoco afirmar que parte do sucesso exportador da China decorre da taxa de câmbio em nível desvalorizado.

O regime administrado de câmbio desvalorizado, num sistema em que parcela significativa dos atores adota um regime de câmbio flutuante, é preocupante. O yuan depreciado constitui uma das principais causas do déficit em conta corrente americano. A inviabilidade de uma desvalorização do dólar em relação à moeda chinesa se reflete na valorização das principais moedas em relação ao dólar, ou seja, se o ajustamento da paridade dólar/yuan não ocorre, então surge como alternativa o ajustamento do dólar em relação às demais moedas.

Não é preciso destacar o incipiente papel do FMI na solução do problema, já que o organismo não foi criado para administrar questões de tal natureza. A solução, portanto, pode depender exclusivamente da prática de uma política monetária expansionista pelo Federal Reserve, o banco central dos EUA. O processo de redução da taxa de juros dos Estados Unidos, e a provável continuidade nas próximas decisões do Fed, acentuará o diferencial das taxas de juros entre os países, o que implicará na desvalorização do dólar, exclusive para países que mantêm regimes de câmbio fixo e/ou administrado em níveis desvalorizados.

O resultado final, não obstante a nova assimetria do sistema monetário internacional, é que os países que adotaram regimes de câmbio flutuante sentirão os efeitos da valorização cambial sobre a própria balança comercial e a conta corrente. A correção do déficit em transações correntes americano terá como contrapartida a reversão dos superávits de várias economias, a despeito de parte do desequilíbrio ter sido motivado pela manutenção do yuan em patamares artificiais. Adicionalmente, destaca-se que a economia chinesa permanecerá incólume a tal movimento, beneficiando-se de sua política e transferindo para os demais países os custos do artificialismo cambial.

José Alexandre Altahyde Hage é doutor em Ciência Política pela Unicamp, consultor da área de Negócios Internacionais da Trevisan Consultoria e professor da Trevisan Escola de Negócios. E-mail: jose.hage@trevisan.edu.br

Pedro Raffy Vartanian é consultor da área de Negócios Internacionais da Trevisan Consultoria. Professor da Trevisan Escola de Negócios, da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Fundação Santo André. E-mail: pedro.vartanian@trevisan.edu.br