Título: Cúpula do clima discutirá futuro de Kyoto e florestas
Autor: Chiaretti, Daniela
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2007, Especial, p. A16

A reunião mais importante deste ano sobre o clima do mundo começa na segunda-feira, na Indonésia, com expectativas modestas. Os diplomatas reunidos no encontro das Nações Unidas esperam fechar apenas um cronograma de negociações para os próximos meses, e não um acordo ambicioso de metas de redução nas emissões dos gases que provocam o efeito estufa. A idéia é que este itinerário desemboque em um tratado internacional no final de 2009 - depois que estiver sedimentado o resultado da eleição nos Estados Unidos. Neste hiato do debate internacional sobre novos compromissos, um tema deve entrar na roda: o encontro de Bali já está sendo chamado de "a CoP das florestas".

CoP é o nome enxuto para a conferência das nações que assinaram a convenção de mudanças do clima da ONU. Acontece todos os anos, e a de Bali é a 13ª. De 3 a 14 de dezembro delegações de 200 países e milhares de representantes de entidades da sociedade civil se reúnem em Bali para buscar novas formas de enfrentar as mudanças climáticas e negociar o que fazer no pós-2012, quando expira a primeira fase do Protocolo de Kyoto.

Sair de Bali com novas e maiores metas de corte de emissão de gases-estufa para os países desenvolvidos e com compromissos para os outros é absolutamente improvável, e isto já se sabe. Isso porque discutir um acordo mais contundente sem a participação do maior emissor, os Estados Unidos, não faz sentido. Para que Bali não seja um evento frustrante - no mesmo ano em que o braço científico da ONU, o IPCC, fez todos os alertas possíveis de que é preciso fazer algo rapidamente para que a temperatura da Terra não aqueça perigosamente - a saída foi pelo tal "Bali Road Map".

É um roteiro de negociações com prazo certo para acabar. A data-limite para o novo acordo estar pronto é a CoP-15, no final de 2009, em Copenhague, na Dinamarca. Ali estariam acertadas as novas e mais profundas metas de redução de emissões para os países industrializados, e as obrigações dos países em desenvolvimento.

Emergentes como o Brasil, Índia e China não teriam cortes obrigatórios de redução, mas o compromisso de estabelecer políticas públicas de desenvolvimento sustentável e que resultem em menos gases-estufa também (o que, na verdade, já foi previsto há 15 anos e está na convenção do clima). O novo horizonte do segundo período do Protocolo de Kyoto iria de 2013 a 2018 ou 2020. É um modo em que todos emitirão menos - os países industrializados (do chamado Anexo I) por imposição do acordo internacional, e os outros, com obrigações nacionais. Isso, pelo menos, é o que os negociadores brasileiros esperam que aconteça - só é preciso ver quem está de acordo.

Por essa estratégia, defendida pelo Brasil e pelo bloco dos "em desenvolvimento" (o G-77 mais a China), a idéia é colocar todos a bordo rapidamente. Ajusta-se a noção de que todos têm compromissos, mas diferentes, e de acordo com o nível de desenvolvimento de cada país. Há muitas nuances neste jogo. "Os EUA buscam o Bali Road Map", garantiu recentemente a subsecretária de Estado americana Paula J. Dobriansky. Mas é um sinal frágil de que o governo Bush estaria revendo sua posição negativa em relação a um corte obrigatório de emissões, como funciona para seus pares. Dobriansky completou, em seguida, o que os EUA pretendem: "Cada país desenhará seu próprio mix de medidas."

Os EUA e a Austrália rejeitaram o Protocolo de Kyoto onde 36 nações industrializadas concordaram em reduzir em 5%, na média, suas emissões de gases-estufa em 2010 segundo os níveis de 1990. O resultado da rejeição foi tenebroso: estima-se que as emissões americanas já cresceram 33%, e as da Austrália, o maior exportador de carvão do mundo, 11%. Mas os EUA estão solitários desde o último fim de semana, depois da vitória histórica do novo primeiro ministro australiano, o trabalhista Kevin Rudd, que dirigiu sua campanha para a questão climática e já avisou que o país ratificará Kyoto.

Não será a única sensação de Bali. A Alemanha, que cortou suas emissões em 18% desde 2010 (embora parte desse sucesso tenha que ser dado devido ao colapso da antiga Alemanha Oriental) divulgará em Bali um arrojado pacote de 23 leis que exigirá, entre outras coisas, energia renovável nas novas residências e que donos de carros sejam obrigados a priorizar baixas emissões.

Não que Kyoto esteja indo muito bem.

Basta ver o que vem acontecendo com as emissões dos países da União Européia, o bloco mais vanguardista deste debate, que já anunciou a decisão de cortar emissões entre 20% e 30% em 2020 e chegar a 60% e 80% até 2050. A UE fez uma divisão interna entre as metas de corte de seus membros, permitindo aos países menores aumentar suas emissões no período e negociando com aqueles mais industrializadas uma redução maior dos gases do efeito estufa.

Países do antigo bloco comunista do Leste Europeu lideram o ranking, com um corte de mais de 50%, mas aí é porque suas economias quebraram e não tanto por esforços em tecnologias limpas. O Reino Unido é a exceção positiva do quadro. A Espanha é o exemplo mais dramático de países que crescem poluindo: podia aumentar suas emissões em 15% e aumentou em 52,3%.

Mesmo assim, hoje a maioria dos governos e ONGs fala em negociar o "segundo período do Protocolo de Kyoto", o "pós-2012", e não o "futuro depois de Kyoto". A questão semântica esconde um meandro político. Quem quer o fim de Kyoto ou é totalmente cético em relação à eficácia do Protocolo (e exige algo mais radical para fazer frente aos cenários pintados pelos cientistas) ou então se alinha com os EUA, que não querem saber dos cortes obrigatórios de emissões de Kyoto. Todos os outros fazem coro com os diplomatas: tratados internacionais são negociados lentamente, Kyoto levou dez anos para sair do forno. O planeta não tem tempo a perder. Assim, é melhor fazer ajustes no que já existe e está à mão.

Enquanto a discussão de metas está no "pause" e apenas um caminho das pedras parece conseguir sair de Bali, outro tema complexo e que foi postergado ao longo dos anos está na agenda.

"Muitos especulam que finalmente chegou a hora de se discutir como preservar as florestas", afirma Michael Dutschke, consultor alemão em políticas climáticas. CoPs têm poder de regulamentar, e é isso o que se espera neste quesito. Motivos para adiar este debate nunca faltaram.

Floresta é um guarda-chuva que abriga tanto um ecossistema como a Amazônia quanto outro com vegetação boreal. Este assunto interessa tanto a países que desmataram e querem reflorestar quanto aos que brigam pela cobrança dos serviços ambientais prestados pelas suas matas preservadas.

Além da diversidade temática que complica o tópico, o temor de colocar as matas na mesa de negociação vinha embutido, no caso brasileiro, com questões de soberania territorial. Há uma discussão bem mais contemporânea. Se todos concordam que as florestas têm que ser preservadas, não há consenso de como fazer isso - ou com quais recursos.

Já há alguns anos formou-se a chamada Coalizão pelas Florestas por um grupo de países liderados por Costa Rica e Papua-Nova Guiné. Este bloco quer que a preservação das florestas possa ser atrelada ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, os MDL previstos no Protocolo de Kyoto, e os esforços de redução do desmatamento sejam subsidiados por créditos de carbono.

O governo brasileiro não gosta desta opção. "As propostas de preservação das florestas têm que ter, no nosso entender, 100% de adicionalidade e não produzir o direito de emitir para quem compra os créditos", diz João Paulo Capobianco, secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente. "Nossa idéia não é preservar a Amazônia para que outros possam emitir."

Outro medo é que a proposta de unir a preservação das florestas aos MDLs significaria uma inundação de créditos de carbono no mercado, o que derrubaria a sua cotação. E esse mecanismo funciona de vento em popa para projetos de energia limpa, como a queima de metano em aterros sanitários no Brasil, na China ou na Índia.

A iniciativa brasileira, apresentada na CoP de Nairóbi, no ano passado, não espera obter créditos de carbono pelo esforço de preservar. A estratégia é a de obter incentivos positivos pela diminuição das emissões em função da redução do desmatamento. Isto seria calculado a partir de uma linha de base obtida pelos índices de desmatamento de um período histórico de referência. Se o país conseguir, no futuro, ficar com suas emissões por desmatamento abaixo da linha de referência, seria recompensado pela diferença. Mas os recursos viriam de um fundo com doações voluntárias de países interessados na preservação - e parte daí a crítica à proposta.

"Este é o grande problema: quem estaria hoje disposto a investir num fundo de doação?" questiona o pesquisador Paulo Moutinho, do Ipam, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia. O governo brasileiro rebate com boas perspectivas. Capobianco lembra, por exemplo, que a Noruega está em fase final de discussão para destinar algo entre R$ 1 bilhão a R$ 2 bilhões para a proteção de florestas tropicais, com recursos vindos da exploração do petróleo.

"Acho que todos esses poréns são um grande equívoco", diz Moutinho, do Ipam. Ele lembra que, se o Protocolo de Kyoto fala em 5% de redução de emissões, mas os cientistas apontam para horizontes onde será necessário pensar em cortes de 30% a 40%, "pelo menos uma pequena parte do que se evitar desmatar nos trópicos pode ser colocada no mercado", sugere.

"Se abrirmos espaço para os créditos de desmatamento reduzido pode-se matar o principal argumento dos EUA para não entrarem no regime internacional do clima, o de que os países em desenvolvimento não querem ajudar no processo", continua o pesquisador. "Se queremos salvar a Amazônia, temos que acabar com a falta de valor que tem a floresta em pé, e que é o principal motivo do desmatamento. Temos que encontrar formas de compensar os esforços dos países que mantém suas florestas."

As estimativas de quanto as queimadas e o desmatamento de florestas contribuem com o total de emissões de gases-estufa no mundo começam em 9% e chegam a 30%. Convencionou-se adotar 20%. De qualquer modo, não é uma fatia desprezível. É por isso, também, que se acredita que a CoP de Bali pode dar um encaminhamento mais sólido a este tema.

Há quem pretenda mais da conferência na Indonésia. As ONGs que patrocinam eventos paralelos ou participam do evento, pedem um "mandato de Bali", uma espécie de moldura para um conjunto de decisões de maior peso. Foi o "mandato de Berlim" que originou, anos depois, o Protocolo de Kyoto.

O Forum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais, o FBOMS, rede de 600 organizações ambientalistas, sindicatos e associações populares, entregou na semana passada ao presidente Lula suas sugestões e pedidos. Por ali, entende-se por onde será a pressão das ONGs junto aos governos. Pede-se, por exemplo, que países recém-industrializados, com altas taxas de emissão e alta renda nacional - como a Coréia do Sul, Cingapura ou o Kuait, também sejam incluídos entre os que têm metas de corte de emissões. Ou que setores como a aviação civil tenham sua poluição controlada pelo Protocolo de Kyoto.

Sobram farpas, também, para as posições brasileiras. "Espera-se que o Brasil assuma posições de mais liderança", diz Rubens Born, do Vitae Civilis, e que participa da delegação brasileira. "Terá que existir um esforço mundial de garantir que as emissões globais de efeito estufa tenham um pico máximo entre 2015 e 2020 e depois comecem a cair", diz ele. "Isso significa que alguns países em desenvolvimento terão que tirar o pé do acelerador. E não estamos falando de Burundi ou Botsuana."

No mês passado, o secretário geral das Nações Unidas, Ban Ki-Moon, fez uma viagem inesperada à Antártida. "Acredito que estamos à beira de uma catástrofe se não agirmos", afirmou na volta. A partir da semana que vem, a bola estará em jogo em Bali.