Título: Ensaio para 2008
Autor: Cotias, Adriana ; Fariello, Danilo
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2007, Eu, p. D1

Novembro termina com o dissabor de deixar em evidência os riscos do mercado brasileiro em meio à crise internacional. O investidor que, até aqui, só tinha experimentado chacoalhadas passageiras, agora se depara com prejuízos bastante concretos para a sua carteira. A combinação de bolsa em queda com juros e dólar em alta inverteu a dinâmica que se via para os ativos ao longo do ano. Nesta reta final de 2007 e avançando para 2008, não dá para prometer nada além de volatilidade, advertem os analistas. As oportunidades em ações e renda fixa virão com uma boa dose de incertezas.

Por mais que a economia brasileira esteja arrumada, com taxas de desemprego historicamente baixas, expansão da atividade e do crédito, os mercados locais não têm como sair incólumes às intempéries originadas na crise das hipotecas americanas de alto risco, diz o economista-chefe da Geração Futuro, Gustav Gorski. "Se olhar para a economia real, as companhias estão investindo, a produção de bens de capital tem aumentando e as vendas no varejo seguem fortes, mas, nos EUA, a inflação no último trimestre tem incomodado e o consumo diminuiu." Para o especialistas, esses ingredientes pressagiam um cenário de muita volatilidade para os próximos meses. Mesmo assim, setores ligados ao crescimento, à infra-estrutura, bens de capital, transportes e siderurgia são os que têm mais chances de ganhar na bolsa.

O risco de a crise localizada no setor imobiliário contagiar a economia real nos EUA é concreto, mas ainda não há um quadro de recessão à vista, diz o analista da Prosper Gestão Gustavo Barbeito. "O país tende a crescer a taxas mais baixas, mas o temor de uma desaceleração forte pode fazer com que os mercados tenham um comportamento consistentemente ruim em ações, dólar e juros." Para Alexandre Bassoli, economista-chefe do HSBC, o Brasil superou de maneira tranqüila a turbulência financeira que abateu os EUA, se comparada a crises anteriores, mas ainda é imponderável a conseqüência dos problemas no setor de crédito imobiliário para a economia brasileira. Bassoli teme, por exemplo, pelos impactos de uma desaceleração nos EUA na balança comercial brasileira e na rentabilidade das empresas que produzem commodities e daquelas que exportam muito. "A dúvida é o grau desses impactos, portanto é natural haver a maior volatilidade no valor dos ativos."

O mês passado foi um aperitivo para o crescimento da volatilidade que pode estar à frente. Assim como ocorreu em agosto, os mercados mostraram bastante inquietação em novembro O Índice Bovespa (Ibovespa) teve a maior queda em um mês neste ano, com recuo de 3,54%, e o dólar subiu 3,28%, contendo a desvalorização no ano para 16,05% (veja quadro).

Depois da ducha de água fria de novembro, a aposta em renda variável, recomenda Barbeito, da Prosper, deve ser direcionada para fundos de ações com um longo histórico de sucesso e que não tenham o compromisso de acompanhar o Ibovespa. Em dezembro, ele vê o índice oscilando entre 63 mil e 68 mil pontos (avançando mais 15% a 20% em 2008), muito condicionado aos sinais do Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O corte do juro dos EUA, no dia 11, é dado como certo, mas o mais importante será identificar os próximos passos da autoridade monetária americana.

O momento sugere uma reavaliação do ritmo de aplicações em bolsa pelos investidores, diz Roberto Zentgraf, coordenador do MBA de finanças do Ibmec/RJ. "Se o aplicador reduzir sua posição em bolsa agora, poderá garantir boa parte do lucro que obteve ao longo do ano." Para quem não aplica ainda em renda variável, Zentgraf diz que este não é o melhor momento para se aventurar. "É o risco de entrar na festa quando ela pode estar perto do fim."

Papéis relacionados ao crescimento interno são aqueles que podem ganhar mais, embora "blue chips" como Vale do Rio Doce e Petrobras, que levaram o Ibovespa a subir 41,67% no ano, não estejam caras, diz Barbeito. Segundo Bassoli, do HSBC, o mercado interno ainda deverá apresentar um certo aquecimento ao refletir o impacto dos cortes na taxa de juros ao longo de 2007. "O aumento persistente dos gastos públicos também ajudam a estimular a demanda no mercado interno", completa.

Na renda fixa, embora os preços dos papéis prefixados estejam aparentemente atrativos, o risco é grande, pois o desequilíbrio entre oferta e demanda pode levar ao aumento da Selic no avançar de 2008-2009. "O caminho para alongar prazos com títulos com vencimento em 2011 e 2012 pode ser tortuoso, só vale apostar se o investidor tiver certeza de que não vai precisar do dinheiro, mas sabendo que corre o risco de perder", diz Barbeito. Opinião similar tem Bassoli. "Crescemos a um ritmo talvez superior ao sustentável e isso pode trazer pressão para que não ocorram novos cortes na Selic."

As análises para o próximo mês e para 2008 indicam, portanto, a necessidade de se fazer escolhas mais cuidadosas e criteriosas, diz Zentgraf, do Ibmec/RJ. "A hora é de diversificar, buscando ativos que ainda não se valorizaram tanto", recomenda. "A alta recente da bolsa colocou um grau forte de emoção no mercado e temo pela atitude dos acionistas, principalmente os menos experientes, em um eventual solavanco", diz o professor. Sua tese é de que os calouros da bolsa poderão torcer o nariz para eventuais resultados negativos e fugir do mercado, levando mais volatilidade à bolsa. Uma perda de 4% para o aplicador que era conservador significará rendimento de seis meses na caderneta de poupança, exemplifica. "Como eles reagirão a algo assim?"