Título: Múltipla escolha
Autor: Figueira, Andrea
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2007, Hora de Investir, p. G1

Basta uma olhada na série de indicadores que pipocam pelo mercado para perceber: há mais dinheiro na praça e uma massa crescente de consumidores preparados para gastá-lo. Dados mostram que, até o fim deste mês, uma bolada recorde de R$ 64 bilhões terá sido injetada na economia nacional com o pagamento do 13º salário. É dinheiro que equivale a 2,5% do PIB, colocados nas mãos de mais de 63 milhões de brasileiros. Para este fim de ano, indústrias e redes varejistas se planejaram para bater recordes de venda no Natal. A demanda deve ser entre 10% a 15% superior ao ano passado, prevêem as empresas. No embalo do bom humor da economia, com aumento de renda e desemprego estável em 2007, o setor produtivo amplia investimentos e as instituições financeiras abrem as portas para o crédito. Os economistas prevêem um crescimento na renda (real) entre 3% a 4% neste ano - e expansão no PIB de 4,5% a 4,7%. Para 2008, a expectativa é de que a fase de bonança continue.

Na avaliação de economistas e representantes da indústria, o momento é único porque reúne um conjunto de indicadores em um fase extremamente positiva. "É difícil imaginar quando foi a última vez que tivemos, ao mesmo tempo, renda em alta, desemprego estável, juros em queda e inadimplência e inflação sob controle", afirma Paulo Francini, diretor do Departamento de Economia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Esse cenário mantém-se dessa forma há pelo menos três anos - o que já abre espaço para líderes empresariais falarem em crescimento consolidado da economia. "O ano de 2007 confirmou as expectativas iniciais de que essa poderia ser uma expansão sustentada, e não apenas um repeteco dos inúmeros vôos de galinhas que tivemos", afirma Boris Tabacof, diretor do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).

Neste momento, a atenção das entidades e associações setoriais está voltada para o ano de 2008. O mercado financeiro projeta um crescimento da economia para o próximo ano de 4,37%, segundo último levantamento do Boletim Focus, do BC, publicado no final de novembro. A projeção para 2007 foi mantida em 4,7%. Os juros caíram neste ano e o mercado estima novas reduções em 2008. Há uma relativa estabilidade nas taxas de desemprego aberto (de 10% em 2007) que deve, pelo menos, se manter nesse patamar no próximo ano. A soma total dos rendimentos da folha de pagamento cresce há 18 meses consecutivos e não há sinal de reversão nesse processo. A oferta de crédito barato só cresce. Hoje é possível comprar automóvel em até 99 parcelas e o volume liberado pelos bancos deve crescer em torno de 20%. Para 2008, a taxa de crescimento deve ficar em torno de dois dígitos novamente.

No setor produtivo, as primeiras estimativas das entidades setoriais sobre o desempenho de 2008 indicam que o ritmo da indústria de janeiro a março deve avançar entre 5% a 10% além do verificado no primeiro trimestre de 2007. Isso porque há uma perspectiva de que parte do 13º salário recebido em dezembro sustente os gastos e os investimentos de pessoas físicas nos primeiros meses do ano. O bolo referente ao pagamento do 13º neste ano será 9% maior do que o verificado no ano passado, segundo divulgou o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese) em novembro. Ou seja, com mais dinheiro no bolso, as pessoas tanto poderão comprar mais como aumentar a parcela do salário reservada para investimentos em aplicações financeiras.

Na avaliação de Tomás Málaga, economista-chefe do Banco Itaú, a fase atual ainda exige cautela para quem vai investir, apesar dos bons ventos oriundos da indústria e do comércio. "Não é o momento de buscar alternativas de investimento mais arrojadas, a menos que apareça uma oportunidade evidente como uma queda inesperada da bolsa", diz ele. O risco maior, a seu ver, é externo, ainda como reflexo dos efeitos da crise do setor imobiliário nos Estados Unidos. "Uma alternativa para esse período de incerteza são os fundos de capital garantido", diz. Nesse tipo de fundo, o banco paga 40% do ganho com a variação positiva da bolsa, mas garante o valor que foi investido caso haja uma desvalorização. "Você fica mais tranqüilo e não deixa de aproveitar a boa fase de ganhos mais gordos no mercado", observa.

Segundo economistas dos principais bancos de varejo, há alguma incerteza em relação à rentabilidade dos fundos de renda fixa, cujas carteiras carregam títulos prefixados de prazo mais longo. No entanto, dizem eles, na hora em que o Banco Central puder retomar os cortes dos juros, eles devem tornar-se interessantes novamente, o que pode ocorrer em 2008. Pesquisas de mercado com principais bancos de varejo apontam para uma taxa Selic em 10,25% em dezembro de 2008. "O importante é não fazer mudanças radicais nos investimentos e, se possível, diversificar as aplicações daqui para frente", recomenda Málaga. De acordo com o economista-chefe do Unibanco, Marcelo Salomon, o dólar deve sofrer uma leve valorização, mas nada que justifique aplicações lastreadas no ativo, que vem acumulando variações negativas. O Unibanco trabalha com uma perspectiva de fechamento da moeda americana em R$ 1,80 neste ano e R$ 1,85 para 2008.

As aplicações financeiras que oferecem mais rentabilidade são aquelas em que há uma dose maior de risco para o investidor. É o caso dos fundos multimercados e dos fundos de ações, que vêm atraindo uma massa maior de investidores desde o ano passado. Essa migração se deve ao movimento de queda nas taxas de juros, tendência que deve se manter em 2008. Os juros menores afetam os ganhos das aplicações mais conservadoras. Nos últimos doze meses, por exemplo, a rentabilidade média acumulada dos fundos DI e de renda fixa, medida até 19 de novembro, foi de 12,06% e 12,43%, respectivamente. Pouco acima da variação do CDI (12,06%), principal referencial da renda fixa. Já os fundos de ações renderam, no mesmo período 56,08%. E os fundos multimercados, por sua vez trouxeram um retorno de 16,59%.

O movimento migratório de investidores para posições mais agressivas é medido pela captação líquida (aplicações menos resgates). Nos últimos doze meses, os fundos DI perderam R$ 16,3 bilhões e o bolo dos fundos de renda fixa emagreceu R$ 3,3 bilhões. Já o patrimônio dos fundos de ações e multimercados engordou nesse mesmo período, com uma captação líquida de R$ 21,5 bilhões e R$ 46,2 bilhões, respectivamente. Com a rentabilidade em baixa, os fundos DI e de renda fixa perderam em captação para a tradicional caderneta de poupança, que captou R$ 22,3 bilhões nos últimos doze meses, superando até mesmo os fundos de ações.

Esse cenário reflete o momento econômico que vive o país, cuja principal marca é a estabilidade. O que pode escurecer esse horizonte limpo é a desaceleração da economia dos Estados Unidos. "Não acredito que estaremos descolados dos EUA e do resto do mundo se houver uma freada muito brusca", diz Francini, da Fiesp. "A verdade é que, mesmo com crescimento mais sustentável da economia, e reservas internacionais elevadas, nossa casa ainda é de palha, e não de alvenaria. Se vier um vento forte, carrega tudo", afirma. Segundo a federação, o setor produtivo fez a sua parte para tentar manter o vigor da economia. A Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF, leia-se, investimentos) deve crescer 10% neste ano - estima-se uma taxa próxima a essa em 2008 - e as companhias estão preparadas para atender picos de demanda doméstica, evitando, com isso, riscos de repiques inflacionários.

Na avaliação dos líderes empresariais, a manutenção do vigor econômico em 2008 não será afetada pela falta de investimentos do setor produtivo. O risco está na possibilidade de ocorrer uma crise mundial ou um apagão de infra-estrutura do país. Nessa questão, todos os especialistas concordam no mesmo ponto. O reforço de investimentos em rodovias, aeroportos, portos, geração de energia e gás são fundamentais para o Brasil não parar. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) pode ser crucial nesse processo. Lançado em janeiro, o programa prevê investimentos de R$ 504 bilhões até 2010 em projetos de infra-estrutura. Mas o temor maior é que o país tenha de diminuir drasticamente a marcha enquanto muita coisa não sai do papel. "A crise de abastecimento do gás mostra exatamente isso. Se faltar chuva, por exemplo, podemos parar por falta de energia", diz Salomon, do Unibanco. Ele teme que a falta de garantias para o abastecimento de energia possa afetar as decisões de investimento na produção. Em novembro, a suspensão do fornecimento de gás para algumas indústrias fez com que fossem desengavetados planos de contingência para um eventual apagão. O gás foi contingenciado para que a Petrobras pudesse destinar parte da reserva às termelétricas, que por sua vez o transformam em energia elétrica. É o que os economistas chama de "as dores do crescimento".