Título: Desafios globais
Autor: Velloso, Thiago
Fonte: Valor Econômico, 03/12/2007, Especial, p. F1

Mudanças climáticas, escassez de recursos naturais e maior consciência sobre os impactos da atividade econômica no meio ambiente têm, entre outros fatores, levado um número crescente de empresas do Brasil e do mundo a adotar conceitos de ecoeficiência em seus processos produtivos.

Mas essa prática - que supõe uso mais eficiente de materiais e energia, a fim de reduzir os custos econômicos e os impactos ambientais - é movida, principalmente, por potenciais resultados. A ecoeficiência não é apenas uma resposta às demandas e pressões da sociedade, mas um conceito que, se aplicado corretamente, pode elevar expressivamente a competitividade, ao mesmo tempo em que contribui com a sustentabilidade do negócio. O tema estará em debate hoje, no Rio, no Seminário "Ecoeficiência e os Desafios da Globalização", realizado pelo Valor, com patrocínio da Ambev e apoio da Fundação Avina, Rio Como Vamos, Instituto Ethos e Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac).

Primeiro passo em busca da sustentabilidade, a ecoeficiência tem como base a utilização otimizada dos recursos naturais na produção e o descarte também planejado das sobras. "Ecoeficiência e sustentabilidade são coisas diferentes. Uma empresa para ser sustentável precisa adotar uma série de medidas, não apenas as ligadas ao meio ambiente", diz Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos, que se dedica à responsabilidade social corporativa e à sustentabilidade.

Para Young, no Brasil, já há uma difusão razoável dos conceitos de ecoeficiência, e um entendimento relativo à mudança dos padrões de consumo mundial, hoje mais focado na aquisição de produtos que causem o menor impacto ambiental possível. "Estamos saindo de um padrão civilizatório insustentável para outro sustentável. Isso não é apenas benéfico para a humanidade, mas gera diversas oportunidades de negócios para as empresas capazes de detectar essas mudanças", afirma.

Esse já é o caso de inúmeras companhias brasileiras, que têm seguido os padrões internacionais de produção mais limpa, ao mesmo tempo em que se colocam na esteira do discurso governamental, que aposta na liderança do Brasil na questão do equilíbrio climático, principalmente, pela política de produção de fontes de energias renovável. "Nossa condição de competitividade nesse campo é muito superior à de outros países e é fundamental que tenhamos capacidade para explorar esse potencial", avalia Young.

Enquanto o conceito se dissemina entre as grandes empresas, outro desafio se impõe: levar a ecoeficiência também para os pequenos e médios negócios, ainda carentes de informação e recursos financeiros para caminharem em busca de uma gestão mais sustentável.

"Grandes empresas que ainda não implementaram conceitos de ecoeficiência são simplesmente irresponsáveis. Mas quando falamos de pequenas companhias, há uma série de obstáculos a serem superados, tanto no lado econômico quanto no que tange a informação", explica o presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Fernando Almeida.

Para o executivo, nos países em desenvolvimento, como o Brasil, a dinâmica da economia ainda é um grande limitador para o avanço da ecoeficiência. Nesse caso, é preciso que haja engajamento de todos os setores, inclusive o público, para promover o crescimento das boas práticas ambientais. "A pequena empresa muitas vezes sequer dispõe de recursos para implementar políticas de ecoeficiência e, por isso, precisa de auxílio do governo."

O CBEDS já tomou uma primeira atitude: criar um fundo para financiar a ecoeficiência nas pequenas empresas. A idéia, desenhada em conjunto com o Bando Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), é criar um Fundo de Direitos Creditórios (FIDC) que tenha a missão de viabilizar recursos financeiros para companhias que integram a cadeia de fornecedores dos grupos que compõem seu quadro de associados.

Young, do Ethos, enfatiza a necessidade do esforço de ampliar as práticas responsáveis. "A ecoeficiência só tem um impacto realmente elevado quando ela é aplicada em toda a cadeia de valor, portanto, é desta forma que ela deve ser pensada: uma ferramenta para ser utilizada por todo grupo de empresas que compõem uma cadeia produtiva."

A despeito dos obstáculos, várias empresas já abraçam com sucesso a gestão sustentável. É o caso da Basf, que escolheu o Brasil para abrir sua primeira fundação exclusivamente dedicada à ecoeficiência: a Fundação Espaço Eco, que também conta com o apoio da GTZ (agência de cooperação internacional do governo alemão).

A entidade foi criada há dois anos com a missão de transferir conhecimento e tecnologia para empresas brasileiras e da América Latina, além de atuar na área de educação ambiental e reflorestamento. "A fundação é a única da Basf no mundo e o Brasil foi escolhido para recebê-la pelo potencial para transferência de conhecimento que vemos aqui e na América Latina", diz a presidente da Espaço Eco, Sonia Chapman.

A principal atividade da fundação é o serviço de análise de ecoeficiência oferecido a companhias instaladas no Brasil. Diferentemente da análise de ciclo de vida - já amplamente conhecida -, que avalia os aspectos ambientais e possíveis impactos de um produto ou serviço, a avaliação da Fundação Espaço Eco também prevê os impactos financeiros ligados a uma mudança ecoeficiente na produção da empresa.

"A análise de ciclo de vida é fundamental, mas ela aborda um processo produtivo seguindo apenas parâmetros ambientais, sem levar em consideração aspectos caros a um gestor, como o custo e o retorno financeiros", explica Sonia, que já realizou mais de 30 análises em companhias instaladas no Brasil, entre elas, Braskem e Votorantim Celulose e Papel (VCP).

Foi uma análise profunda de processos que levou a gigante do alumínio, Alcoa, a se tornar um dos grandes exemplos mundiais de ecoeficiência. A empresa optou, em 2000, por estabelecer metas para redução do consumo de energia, água e outras fontes naturais, além de objetivos sociais a serem cumpridos até 2020.

A partir da adoção dessas metas, a subsidiária brasileira da companhia implementou uma série de processos que visam a redução da emissão de gases, o reaproveitamento de insumos básicos e a diminuição no consumo de água e de energia. "Para nós, a produção do alumínio - um metal mais leve - já é ecoeficiente, mas também investimos muito nos processos produtivos, em fazer mais com menos, o que reduz nosso custo e nos torna mais competitivos", afirma Maurício Born, gerente de saúde, segurança, meio ambiente e sustentabilidade da Alcoa.

Alguns dos exemplos da política de ecoeficiência da Alcoa podem ser encontrados nas unidades de Poços de Caldas (MG) e na Ilha de São Luís (MA), onde 89% dos resíduos são reutilizados ou reciclados. Além disso, recentemente, a indústria desenvolveu uma tecnologia que permite que as cubas utilizadas na produção de alumínio - antes descartadas - sejam usadas como combustível para a indústria cimenteira. "Esse é um bom exemplo de reaproveitamento de materiais, sem elevação de custos", explica Born.

A Alcoa também investe em parcerias. Em conjunto com a Universidade Federal de São Carlos (SP), fez uma reavaliação de uso das cubas da fábrica de Poços de Caldas, promovendo uma mudança operacional de impacto significativo: o aumento de 16,5% na vida útil de cada cuba, que reduzirá o descarte e levará a um retorno financeiro de R$ 2,77 milhões, até 2010. Com essas e outras inciativas, a empresa já reduziu em 25%, desde 1990, a emissão de gases causadores do efeito estufa.

A Siemens do Brasil também já explora as oportunidades dos mecanismos "ecoeficientes", além de aplicar nas suas fábricas práticas de redução do impacto ambiental provocado pelos seus processos produtivos. Recentemente, a companhia realizou investimentos para aumentar a produção de turbinas movidas a vapor, com vistas a atender a demanda do setor sucroalcooleiro.

As turbinas da Siemens foram criadas para gerar energia a partir da queima do bagaço da cana-de-açúcar. "É uma alternativa excelente ao uso de energia elétrica, além de abrir a porta para a geração de créditos de carbono", relata o gerente estratégico de gestão de qualidade ambiental, Afonso Gomes. Segundo ele, a Siemens negocia o fornecimento de equipamentos de geração de energia limpa com a maioria dos 74 projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) - gerador de créditos de carbono.

Ricardo Young, do Ethos, salienta que quando se fala em ecoeficiência existem dois tipos de oportunidade: a de negócios; e a de criar uma nova civilização, sustentável a longo prazo. "A sustentabilidade está uma oitava acima da ecoeficiência, mas ela é a porta de entrada para modificarmos uma situação insustentável para a humanidade e, por conseqüência, para os negócios", conclui.