Título: Déficit da Previdência cresce e volta a preocupar
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2005, Opinião, p. A8

Duas reformas constitucionais num espaço de apenas seis anos -- 1998 e 2003 - não foram suficientes para tirar do horizonte o fantasma do déficit da Previdência Social. Tomando os dados de pagamentos de benefícios e pensões do INSS, o déficit foi de R$ 26,4 bilhões em 2003 e saltou para mais de R$ 32 bilhões em 2004. Para se ter idéia da dimensão desses valores, em 2004 o governo gastou com a totalidade dos investimentos públicos, incluindo restos a pagar do ano anterior, R$ 9,1 bilhões. É, assim, bastante procedente a retomada da preocupação do presidente da República com a questão previdenciária. A reforma realizada em 1998 introduziu o "fator previdenciário" e evitou que o déficit tomasse proporções ainda mais alarmantes. Calcula-se que sem a emenda constitucional n° 20, os gastos com pagamento de benefícios e pensões teriam sido acrescidos de mais R$ 17 bilhões apenas no ano passado. Com a reforma, evitou-se o desastre. A emenda constitucional n° 41, aprovada no primeiro ano do governo Lula, introduziu a cobrança da contribuição dos aposentados do setor público federal, estadual e municipal, a uma alíquota de 11%. Esta em nada alterou as regras do INSS. A proposta de emenda constitucional "paralela", que ficou como sobra da iniciativa de 2003, está engavetada no Congresso. Ela também se restringe às condições de aposentadoria do funcionalismo público admitido antes de dezembro de 1998 e muda os subtetos de remuneração dos servidores ativos dos Estados e municípios. O ministro da Previdência e Assistência Social, Amir Lando, está convencido de que não há mais espaço para novas reformas na seguridade social. Seja por aumento das contribuições, seja pelo corte dos benefícios. Pelo menos não nesta gestão do governo do PT. E ele tem razão. A reação que houve no ano passado quando Amir Lando propôs aumento das contribuições patronais para pagar um "esqueleto" de R$ 12,3 bilhões, e a reação, agora, ao avanço arrecadatório da medida provisória 232, de fato recomendam moderação na fome de recursos do Estado. Politicamente amarrado para agir seja do lado das receitas, seja no corte das despesas, sobrou o combate às fraudes. O ministro acredita que uma ofensiva nessa área pode resultar em economia de "algumas dezenas de bilhões". Outra boa ajuda para as contas da seguridade social é o crescimento da economia com aumento da oferta de emprego com carteira assinada. Em 2004, as receitas da Previdência tiveram um exuberante crescimento: 10,8% em termos reais. Mas isso não foi exatamente pelo crescimento das receitas de contribuições, e sim por algumas mudanças que ocorreram no ano passado em relação às regras vigentes em 2003. O ex-ministro da Previdência, José Cechin, chama a atenção para esses fatos que, a rigor, foram responsáveis por uma ampliação nas receitas do ano passado, como, por exemplo, a transferência das despesas com o pagamento de renda mensal vitalícia da Previdência para o Tesouro Nacional. Só isso representou um alívio de R$ 1,8 bilhão nos gastos do INSS. Todos os casos de alterações, inclusive contábeis, representaram uma diferença de R$ 4,6 bilhões na comparação de 2004 com 2003. Ou seja, o déficit do ano passado, levando em conta esses eventos, chegou a R$ 36,6 bilhões, explica Cechin. A expectativa é de que ele caia para R$ 30,2 bilhões este ano, conforme previsão do orçamento para 2005. Os gastos do INSS com as aposentadorias e pensões, que na década de 60 representavam 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB), hoje chegam a 7,3% do PIB. Uma olhada nas perspectivas de mais longo prazo indicam que a tendência é preocupante. Se hoje apenas 8,6% da população brasileira tem idade superior a 60 anos, daqui a 40 anos, conforme estimativas feitas pelo IBGE, esse universo deverá ser de 24%. Se as regras de aposentadorias e pensões permanecerem inalteradas, é difícil entender como o país sustentará essa trajetória. O crescimento da economia é crucial para melhorar os indicadores da seguridade social. Instrumentalizar o Estado para combater as fraudes que subtraem receitas do INSS é uma iniciativa necessária e louvável do ministério. Mas não está claro, nem mesmo para o governo, se esses são fatos suficientes para dar alguma tranqüilidade na gestão do sistema previdenciário e retirar esse assunto da agenda de preocupações. Saber que Lula está incomodado com o tamanho do déficit, portanto, é, pelo menos, reconfortante.