Título: Brasil enfrenta melhor a crise de créditos nos EUA
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 29/11/2007, Eu& Investimento, p. D2

A atual crise não tem data para acabar, mas o Brasil tem demonstrado possuir fundamentos macroeconômicos fortes que permitiram a recuperação rápida do mercado após os choques de agosto e que devem continuar garantindo bons retornos no longo prazo. A avaliação é de Otávio Vieira, responsável pela gestão de mercado para América Latina do Banco Safdié. "Podemos ter problemas por semanas ou meses, mas as empresas brasileiras devem continuar apresentando bons retornos nos próximos anos", diz. Durante encontro promovido pelo banco com jornalistas da América Latina em Genebra, sede do banco, Vieira e outros executivos falaram sobre as perspectivas para o mercado mundial e para o Brasil.

Vieira diferencia a crise atual das anteriores pelo fato de ela estar sendo provocada pelos países desenvolvidos, e não pelos emergentes, como em outras ocasiões. Além disso, atinge um setor onde é difícil avaliar o impacto global, o setor de crédito, pois não se sabe até que ponto novas empresas podem ser envolvidas na onda de inadimplência. "Por isso, quem disser que sabe quando a crise acaba está mentindo", diz ele.

Outra peculiaridade da crise dos mercados hoje se refere ao fato de ela estar ligada não a créditos diretamente, mas a derivativos de crédito em países desenvolvidos, que por seu efeito multiplicador dificulta ainda mais sua avaliação, afirma Daniel Tassan-Din, gerente-geral de portfólios da Multifinance, braço de gestão na Europa do Safdié. "E como o problema envolve bancos da Europa e Estados Unidos, os bancos centrais dessas regiões vão agir com todas as forças para preservar as instituições e evitar quebras", afirma.

Uma situação diferente das crises de outros emergentes, como a da Argentina, quando o BC local não pôde emitir moeda para socorrer as instituições na crise de 2000. "Em países desenvolvidos, grandes bancos só quebram se a economia do país quebrar também", lembra Tassan-Din

Ele acrescenta que muitos dos derivativos que estão tendo problemas foram muito bem avaliados pelas agências de risco como Moody's e Standard & Poor's e agora os bancos estão tendo de baixar esses ativos em seus balanços à medida que as agências mudam as avaliações. Em parte, portanto, a profundidade da crise vai depender da velocidade com que as agências revejam os ratings, velocidade que pode ser reduzida em alguns momentos.

A turbulência traz, porém, oportunidades para os gestores de recursos, afirma Tassan-Din. "Ações de algumas empresas boas caíram muito na onda de fuga do risco e tornaram-se bastante atrativas", diz. Ele menciona setores como energia e commodities. Vieira cita o caso de um banco americano, que ele não quis dizer o nome, cujos papéis estariam sendo negociados com um valor que representaria 70% do valor de seus ativos ("book value") e relação preço/lucro (PL, quanto menor, mais barata a empresa) de 6 vezes, para um valor relativo aos ativos do Bradesco de 470% e um PL de 17 vezes.

Outra área que pode trazer ganhos é a de papéis de renda fixa emitidos por empresas. Com a tendência de queda dos juros nas economias desenvolvidas pelo receio de uma recessão, papéis de empresas de países emergentes se tornam interessantes, pagando prêmios sobre os juros do mercado. Outra fonte de ganhos pode ser o mercado de moedas. A Multifinance tem desde 2002 um fundo formado por moedas de países emergentes que vem ganhando com a desvalorização do dólar nessas economias.

Para Mailson da Nóbrega, ex-ministro da Fazenda ( governo Sarney), os bancos centrais da Europa e Estados Unidos vão agir para evitar que a crise das hipotecas "subprime" acabe criando uma recessão da economia americana. Mas o mais provável, diz, é um cenário onde a economia americana apenas se desacelere, de 2,5% de crescimento neste ano para 1,5%. "Mas o Brasil vai sofrer junto com o mundo, apesar de sofrer menos do que outros países emergentes e menos do que em outras crises", afirma.

Ele destaca o forte volume de reservas internacionais brasileiras, que devem atingir US$ 200 bilhões no primeiro trimestre do ano que vem, a redução da dívida pública, o superávit primário e a saúde do sistema financeiro brasileiro como fatores que vão reduzir o impacto da crise. Mailson trabalha com um dólar no fim deste ano a R$ 1,70 e nos próximos a R$ 1,65. "Não vejo uma queda da balança comercial brasileira e espero que os investimentos diretos continuem a jogar muitos dólares na economia brasileira, reduzindo o preço da moeda americana".

Admitindo estar otimista com o país, ele espera que o Brasil consiga o selo de baixo risco, ou "investment grade", das agências no ano que vem. Os juros, avalia, devem cair, para 10,25% ao ano em 2008 (neste ano não haverá novos cortes), atingindo 8,75% ao ano em 2010. "O risco seria uma recessão nos EUA, o que eu não acredito, a menos que um grande banco de lá quebre, o que também acho difícil pois o BC americano não vai permitir", diz. O que deve haver, avalia, é uma grande redução de lucro ou até prejuízo.

* O jornalista viajou a convite do Banco Safdié