Título: Raciocínio simplista
Autor: Paulo Skaf
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2005, Opinião, p. A8

São muito coerentes e lúcidas as críticas à decisão do governo federal de corrigir a tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física em 10% e, também, de elevar de 32% para 40% o lucro presumido sobre o qual empresas prestadoras de serviços recolhem aquele tributo e a Contribuição sobre o Lucro Líquido. Dessa maneira, justifica-se plenamente a criação da Frente Brasileira contra a Medida Provisória 232, que soma, sob a justa bandeira da produção e do trabalho, a força e representatividade do parque empresarial. É extremamente relevante que distintos setores de atividade mobilizem-se, por meio de suas entidades de classe, e se unam contra mais um aumento de impostos. Considerando a repercussão desse ônus adicional na economia, em praticamente todas as cadeias produtivas, o posicionamento da classe empresarial deve ser encarado como postura que transcende a defesa de seus próprios negócios e segmentos de atividade. Trata-se de advogar a causa maior do crescimento do PIB, da criação de empregos em quantidade compatível com a realidade e as necessidades da nação e, portanto, dos interesses de toda a sociedade. Essa atitude da classe empresarial e das entidades organizadas da sociedade é muito importante e oportuna. Afinal, não adianta apenas tratar isoladamente dos assuntos pertinentes a cada empresa ou setor. Na verdade, questões como a MP 232 se entrelaçam nas diferentes cadeias produtivas e acabam por atingir todas as áreas: agrícola, industrial, comercial e de serviços. Assim, a criação da Frente é uma posição muito correta de quem gera riqueza e proporciona ao país as condições necessárias ao seu desenvolvimento. Ou seja, é uma legítima reação aos vários aspectos negativos da MP 232. O primeiro ponto que desabona esta inoportuna iniciativa do governo foi sua adoção, como ocorria em tempos passados, no dia 31 de dezembro de 2004, quando empresários e trabalhadores ainda comemoravam a sobrevivência de seus negócios e empregos em mais um ano, vencendo as adversidades, juros altos e impostos já suficientemente elevados. Os prestadores de serviços, um dos segmentos que cresceram em 2004, acordaram mais pobres na aurora de 2005. Foram despertados do sonho de realizações e dias melhores, estimulados pelos votos de feliz e próspero ano novo, e se depararam com a realidade desse pesadelo tributário chamado Brasil. Mas, quem é essa gente que vai pagar mais impostos a partir do mês de abril próximo? Para responder à pergunta - o que deveria fazer antes de adotar qualquer medida dessa natureza, com ampla repercussão no conjunto da economia - o governo poderia recorrer às pesquisas de seus próprios organismos, como o IBGE. Entretanto, caso acredite que estatístico da casa não faz milagres com números, deveria, pelo menos, dar atenção a respeitados organismos internacionais. A London School of Business, por exemplo, sabe quem são os brasileiros atingidos pela Medida Provisória 232. São parcela expressiva daqueles citados em estudo dessa instituição, cuja síntese é a seguinte: o número de pessoas que abriram negócio próprio no país cresceu de 18 milhões para 23 milhões, de 1999 e 2003, período no qual o volume de assalariados ficou estabilizado em 18 milhões.

Será que os idealizadores da MP 232 sabem que a indústria é compradora dos serviços onerados com mais impostos?

Nós, no Sebrae-SP, também conhecemos os cidadãos apenados por mais esse ônus tributário estabelecido pela MP 232: em São Paulo, são 1,3 milhão de microempresas, que empregam 67% do pessoal ocupado em todo o Estado, onde há hoje 4,5 milhões de empreendedores e candidatos a empresários. Esses, ao refazerem o cálculo do investimento necessário e do custeio de seus novos negócios, manterão o ímpeto empreendedor? Nem todos, pois há limites na capacidade de arcar com o aumento de custo. Em âmbito nacional, a medida provisória também atinge parcela expressiva das pequenas e microempresas. É preciso enfatizar que essas organizações são responsáveis, segundo o Sebrae, por 41% dos 27 milhões de empregos formais do Brasil, e 20% do PIB nacional. Existem 5,5 milhões dessas empresas (99% do total do país), informa o IBGE. As estatísticas evidenciam uma importante transformação das relações trabalhistas no Brasil, em sintonia, aliás, com a realidade contemporânea do mundo e com a nova ordem econômica estabelecida no processo de globalização. Numerosos empregados de ontem são os prestadores de serviço de hoje. O processo de terceirização - legal, ético e eficaz - foi ignorado pelo governo na edição da medida provisória. Por que esses empreendedores - muitos dos quais progrediram, conquistaram mais clientes e multiplicaram empregos - têm de pagar mais impostos? Outra questão a ser considerada é o fato de o governo adotar medidas sem se preocupar com as suas conseqüências e reflexos em escala. É como se cada segmento fosse estanque e hermético em suas respectivas áreas de atuação. Será que os técnicos que trabalharam na concepção da Medida Provisória 232 sabem que a indústria, por exemplo, é grande e freqüente compradora dos serviços agora onerados com mais impostos? Aumenta o custo, reajustam-se os preços, ressuscita o fantasma da inflação. Ora, mas quem se preocupa com isso, responderiam os especialistas de Brasília? Todo mês, sem exceção, realiza-se uma reunião do Copom. Basta subir a Selic... Trata-se de um raciocínio muito simplista para uma nação que, como o Brasil, precisa ingressar num processo duradouro de crescimento econômico, e que tem o legítimo direito de conquistar o desenvolvimento.