Título: Disputa que vale R$ 95 milhões
Autor: Vaz, Lúcio; Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2011, Política, p. 2

A guerra nos bastidores da Câmara pelos postos na Mesa e nas lideranças põe no tabuleiro 1.168 cargos preenchidos sem concurso, com salários de até R$ 12 mil, a serem distribuídos a apadrinhados

Além do poder político, há outro forte atrativo que explica a intensa disputa por cargos da Mesa Diretora, das lideranças partidárias e das comissões técnicas da Câmara dos Deputados, também em jogo na eleição da Presidência da Casa. São as centenas de Cargos de Natureza Especial (CNE), preenchidos sem concurso público, distribuídos entre afilhados políticos das lideranças e dos parlamentares. Juntos, os 1.168 cargos geram despesa anual de R$ 95 milhões aos cofres públicos. Os cargos mais altos pagam salário de R$ 12 mil. São 215 CNE-07. Partidos que tiveram a bancada reduzida pelas urnas querem agora mudar as normas internas para manter o número de cargos.

O tamanho das bancadas deveria influenciar diretamente a quantidade de cargos comissionados a que cada legenda tem direito nos gabinetes das lideranças. A Resolução 1/2007 da Câmara é clara ao determinar a relação entre o número de integrantes dos partidos e a quantidade de CNEs a que cada liderança tem direito. Dessa forma, para cumprir a norma interna, a próxima Mesa Diretora terá de mexer nas feridas de poderosas siglas e arrancar delas muitos cargos comissionados.

Pela regra, a redução de 12 deputados na bancada do PMDB deve resultar na extinção de nada menos que 17 vagas de CNEs. No DEM, que perdeu 22 deputados em relação a 2006, a situação é mais dramática. Segundo o texto da resolução, o novo tamanho da legenda só daria a ela direito a 55 CNEs. Atualmente o partido dispõe de 78 dessas vagas.

O assunto é tratado com discrição pelos deputados, mas lideranças de bancadas que aumentaram a representatividade este ano e ganharam o direito a contratar mais funcionários prometem reivindicar a aplicação da norma. Nessa situação estão PDT e PR. O primeiro passou de 23 para 28 deputados. O aumento possibilitaria a legenda dispor de mais nove vagas de CNEs. Mesmo número de cargos que o PR deve ganhar, já que pulou de 34 para 41 parlamentares.

Apesar de o cenário das urnas ter modificado o tamanho de outras legendas, nem sempre o encolhimento ou o inchaço resultam em mudanças no número de comissionados a que as lideranças têm direito. O PSDB, por exemplo, apesar de ter perdido 11 deputados, não sofre com a aplicação da regra, pois continua na mesma posição da tabela criada pela antiga Mesa Diretora. O mesmo ocorre com PT e PSB, cujo crescimento não deve resultar em aumento de cargos disponíveis.

Paralelamente às discussões sobre redução de CNEs de partidos que encolheram, o próximo presidente da Câmara terá de descumprir a norma interna para manter a estrutura criada para partidos nanicos. O PSol, com três deputados, possui 15 CNEs. Vagas conquistadas graças a uma liminar do Supremo Tribunal Federal (STF). Na carona da legenda, partidos que possuem a partir de três parlamentares conseguiram cargos de confiança para as lideranças, apesar de o Regimento Interno só prever o benefício para legendas que tenham acima de cinco deputados. ¿Não acredito que vão mexer na atual disposição. Até porque, para cumprir as normas internas e nos tirar o direito de ter essa estrutura, teriam de tirar cargos de grandes partidos. Não acho que algum presidente vá enfrentar esse desgaste¿, avalia o líder do PSol, Chico Alencar (RJ).

Lotação informal PT e PMDB, com as maiores bancadas, contam com cerca de 90 assessores de livre nomeação. Pelas regras atuais, partidos médios contam com 46 ou 55 assessores. Como não há espaço para todos os servidores nas lideranças, grande parte deles acaba sendo lotada informalmente nos gabinetes dos deputados. Isso também ocorre nas comissões técnicas, que contam com um total de 107 cargos, sendo 42 CNE-07. Juntos, os 750 cargos das lideranças causam despesa anual de R$ 59 milhões. Os postos de menor salário são os CNE-15, de R$ 2.600.

O tradicional ¿jeitinho brasileiro¿ também criou uma regra para atender os micropartidos, que não têm direito a espaço físico na Câmara nem a assessores. Foram criadas as ¿representações¿ desses partidos, com um, dois ou três CNEs cada um. O PRB, por exemplo, conta com três cargos especiais.

Suplência inflada Os suplentes da Mesa Diretora são um caso à parte. Embora tenham como única tarefa importante substituir eventualmente os secretários nas reuniões da Mesa, contam com 42 assessores, sendo 11 com salário de R$ 12 mil. A Presidência da Casa, por exemplo, tem 40 cargos disponíveis, sendo apenas quatro com o vencimento máximo. A Procuradoria Parlamentar conta com 10 assessores de confiança, mas são 4 CNE-07 e seis CNE-09, esses com salário de R$ 8,6 mil.