Título: Um jeito mais inteligente de copiar
Autor: John Gapper
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2005, Opinião, p. A9

Ninguém pode acusar Don Evans de afrouxar a pressão em seus últimos dias no cargo. Enquanto George W. Bush se preparava, na semana passada, para a cerimônia de posse do seu segundo mandato como presidente, o secretário do Comércio dos EUA, prestes a deixar o cargo, estava na China, reclamando sobre o predomínio do roubo de propriedade intelectual e exigindo que os falsificadores sejam presos. Juntamente com os DVDs e os software pirateados, e com as imitações das baterias Duracell e o Viagra, ele estava indignado com o Chery QQ, um carro fabricado na província de Anhui, que se parece muito com o Chevrolet Spark. A General Motors processou o Chery por copiar o Matiz, um carro pequeno produzido pela Daewoo, sócia sul-coreana da GM (o Matiz é vendido na China como Spark). Há certamente muita pirataria na China, embora seja difícil se entusiasmar demais a respeito de uma coisa que sempre foi endêmica em mercados emergentes, incluindo a América do século XIX. Depois de Eli Whitney ter inventado o descaroçador de algodão, em 1793, sua patente foi violada por muitos proprietários de plantações sulistas, que se apoiaram em tribunais locais indulgentes, que faziam vistas grossas à pirataria. Para Estados sulistas dos EUA de então, leia-se províncias do interior da China, hoje. O detalhe que distingue o século XXI do empreendimento americano do século XIX não é a falta de imitação, mas as normas que a regem. O ato de copiar, no sentido de tomar idéias e técnicas de outros, é uma parte essencial da iniciativa capitalista. Sem ela, haveria menos concorrência, e os consumidores estariam em maior desvantagem. A proeza está em tomar dos outros sem roubar a sua propriedade. As empresas chinesas têm muito a aprender sobre o tema. Paul Gao, dirigente da McKinsey em Xangai, atribui as atitudes atuais às práticas adotadas durante as repetições anteriores promovidas pelo regime comunista. Quando uma empresa estatal inventava um produto durante o regime de Mao Tsé-Tung, freqüentemente a obrigavam a compartilhar o projeto com uma fábrica em outra província. A pirataria, no entanto, só leva o pirata até esse estágio. Ela pode representar um aborrecimento caro para as empresas com produtos fáceis de roubar - a Aliança Internacional da Propriedade Intelectual estima que DVDs, programas de computador e livros com um valor de face de US$ 2,6 bilhões foram copiados na China em 2003 - mas os copiadores dos becos não estão mais próximos de criar o seu próprio software ou seus próprios romances. O Chery QQ se encaixa em uma categoria semelhante: Chery admite que o carro é parecido com o Spark, mas alega ter adquirido os direitos do Matiz por vias legais. "A questão não é se eles podem continuar copiando, porque esse não é um modelo de negócios sustentável. A questão é saber como eles podem adquirir as habilidades necessárias para fabricar os seus próprios produtos", disse um executivo do setor automotivo. Examinar o que os concorrentes estão fazendo é um bom começo. Não há muitas empresas que inventam produtos inteiramente novos; a maioria delas adapta e prolonga as idéias que outros já tentaram. O iPod, da Apple, não foi o primeiro tocador de MP3, mas a empresa agregou o suficiente para tornar a sua versão inovadora. De forma semelhante, as empresas farmacêuticas freqüentemente se baseiam nos avanços umas das outras para produzirem medicamentos "similares".

Não há muitas empresas que inventam produtos totalmente novos; a maioria adapta e prolonga as idéias que outros já tiveram

O próprio Matiz dificilmente pode ser considerado um produto original. A Fiat liderou o caminho na fabricação de carros urbanos, como o Uno e o Panda, e a Daewoo queria criar a sua própria versão. Até contratou o projetista do Panda e do Uno - Giorgetto Giugiaro, da Italdesign - para elaborar planos para o Matiz. Isso oferece mais uma pista. Muitas empresas trazem talentos e idéias de fora para ajudá-las a desenvolver novos produtos, em vez de se basearem nos seus próprios gênios. As farmacêuticas adquirem os direitos para novos medicamentos descobertos por empresas iniciantes de biotecnologia, e as empresas de software de grande porte compram as de menor porte. Esse expediente não só lhes fornece idéias para o desenvolvimento de produtos, como também as expõem às opiniões de especialistas. Uma empresa em um mercado emergente que seguiu esse caminho foi a Sony, que licenciou os direitos de um aparelho de surdez transistorizado da Western Electric, em 1953 (e recebeu, juntamente, uma cobiçada cópia do manual de tecnologia de transistores dos Laboratórios Bell). O livro de John Nathan, "Sony: The Private Life" , narra como engenheiros da Sony conseguiram adaptar o transistor para fabricar o primeiro rádio de bolso. As empresas chinesas foram menos hábeis sobre as formas de adquirir conhecimentos especializados. Muitas caíram na armadilha de tentar ser originais demais - procurando desenvolver produtos a partir do nada, em vez de combinar o que estava disponível com suas idéias. "Eles não são muito eficazes em comercialização de Pesquisa e Desenvolvimento. Eles tentam ser completamente auto-suficientes e fazer tudo por si mesmos", diz Gao. Em algum ponto entre essa abordagem purista e a pirataria dos produtos alheios reside o caminho futuro da China. Já há sinais de que as empresas estão tomando providências nesse sentido. A Shanghai Automotive está negociando com a Rover Group um empreendimento conjunto, que permitiria à empresa chinesa (sócia em um empreendimento conjunto com a GM na China) produzir a própria linha de carros para o mercado interno chinês. Além disso, há o Chery, que incumbiu os fornecedores europeus - incluindo outra empresa de design italiana - de ajudar a produzir uma linha de novos modelos, que deverão ser vendidos nos EUA a partir de 2007. "Reclamar sobre roubos é errar o alvo. Há muitas empresas chinesas correndo na nossa direção à procura de formas de desenvolver produtos legitimamente", disse Steve Young, um consultor do setor. Não há nenhum motivo para acreditar que eles fracassarão, mesmo que leve tempo. A China tem muitos engenheiros, um vasto mercado interno e empresas com muito dinheiro. Algumas empresas concluíram que é mais fácil piratear produtos a trazer idéias da prancheta para o mercado, mas isso pode mudar. Seu desafio é não parar de copiar o Ocidente, mas copiar de uma forma mais astuta.