Título: Derrota de Chávez abre fase de incertezas na Venezuela
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 20/12/2007, Internacional, p. A12

A rejeição do projeto de reforma constitucional de Hugo Chávez lança uma grande interrogação sobre a Venezuela: como se comportarão agora o presidente e a ferrenha oposição a ele? Chávez já sinalizou que a derrota no referendo de domingo apenas adia seus planos de levar a Venezuela ao socialismo. A oposição, que comemorou entusiasticamente o resultado ontem, parece não ter ainda uma estratégia definida e unificada para o futuro. O cenário é de incertezas, com risco de crise econômica.

As mudanças em 69 dos 350 artigos da Constituição venezuelana foram divididas em dois blocos para a votação no referendo. Os eleitores deveriam dizer sim ou não. O bloco A, que continha a permissão para reeleição indefinida do presidente, foi rejeitado por 50,7% dos eleitores. O bloco B, que incluía a redução para 16 anos da idade mínima para votar e que permitia a restrição da liberdade de expressão, foi rejeitado por 51,05%

A abstenção alta, de mais de 44%, aparentemente prejudicou Chávez. A oposição, mais mobilizada e que acreditava na possibilidade de derrotar Chávez, foi às urnas. Os partidários de Chávez compareceram em menor número.

Essa foi a primeira derrota de Chávez numa votação nacional na Venezuela. Antes, ele havia obtido dez vitórias, a mais apertada por diferença de 8 pontos percentuais. Na eleição presidencial de dezembro, o presidente foi reeleito com mais de 20 pontos de vantagem. Isso significa que, em um ano, ele perdeu boa parte desse capital político.

Falando ontem sobre sua derrota, Chávez disse que sua proposta de reforma constitucional "continua viva, não está morta". "Não consegui, por enquanto, mas a mantenho". A reforma produziria a maior mudança econômica, político-administrativa e institucional da história do país. Para críticos de Chávez, daria início de uma ditadura.

O presidente felicitou a oposição e pediu que ela se "mantenha no caminho" democrático. Ele admitiu que a abstenção foi determinante na derrota. "Faltou tempo, faltou capacidade para explicar [as propostas]", afirmou ainda. Mais tarde, disse que pode ter se equivocado sobre o momento de apresentar o projeto de reformas e que o povo ainda não está "maduro" para aceitar o socialismo. "Perdemos uma batalha", concluiu.

Ao dizer que mantém vivo seu projeto de mudanças, Chávez talvez tenha em mente adotar medidas por meio dos poderes ampliados que o Congresso lhe conferiu no começo do ano, com a chamada Lei Habilitante. Por um período de 18 meses, Chávez pode implementar leis sobre certos temas sem ter de submetê-las ao Congresso. Alguns analistas julgam que o presidente não teria nenhuma dificuldade em convencer o Congresso (todo ele governista) a estender da vigência da Lei Habilitante.

A opção de enviar um novo projeto de reforma constituinte ao Congresso e organizar um novo referendo, parece improvável. Isso porque, de acordo com a Constituição de 1999 - aprovada pelo atual presidente - a Assembléia Nacional só pode votar um projeto de reforma por legislatura, segundo o professor de Políticas Públicas da Universidad Simón Bolívar, de Caracas, Marino González.

Mesmo assim, avalia ele , Chávez ainda terá margem de manobra para implementar algumas das mudanças incluídas no projeto rejeitado, sem necessidade de alterar a Constituição.

"O governo e a Assembléia poderão se basear na Constituição para aprovar leis que não firam a Carta. Por isso, creio que o presidente ainda terá, sim, espaço para fazer mudanças", diz González, um crítico insistente de Chávez.

Um dos poucos itens da reforma que não encontra respaldo na Carta de 1999 é a possibilidade de reeleição indefinida do presidente. Outros pontos polêmicos, como a redistribuição geográfica e política da administração e alterações no status da propriedade privada no país poderiam ser adotadas de alguma forma com base na Constituição em vigor, lembra Luis Vicente Leon, da empresa de pesquisa e análises Datanalisis.

Mas, depois da demonstração de força da oposição, qualquer caminho para aprofundar mudanças rumo ao socialismo deve enfrentar resistências. "Embora no momento os partidos de oposição não tenham uma liderança única que pareça capaz de capitalizar os efeitos da derrota, o fato é que Chávez perdeu sua aura de invulnerabilidade", analisa Leon.

Isso pode levar parte da oposição a defender alguma forma pressão pelo afastamento precoce de Chávez, que tem mandato até 2013. Uma opção seria um plebiscito revogatório do mandato, mas que só poderia ser realizado a partir de 2010.

Setores da oposição acreditam que a crise econômica decorrente da alta da inflação e do desabastecimento (leia texto ao lado) deve se agravar nos próximos meses e reduzirá o apoio popular a Chávez, processo que já teria começado na derrota de domingo. O presidente ficaria fragilizado por seus próprios erros de política econômica, e não por pressão da oposição. A essa altura, seria mais fácil apostar na sua saída ou fazê-lo negociar. (Com agências internacionais)