Título: Chávez continua forte, mas foi redimensionado
Autor: Lyons, John ; Córdoba, José
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2007, Internacional, p. A17

A derrota do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, no referendo constitucional atingiu em cheio o extravagante líder, mas ele seguirá firme em sua tentativa de permanecer no poder e transformar o nono maior produtor de petróleo do mundo num bastião do socialismo do Século XXI.

A derrota foi o primeiro revés do ex-militar que governa o sexto maior produtor de petróleo do mundo há quase dez anos. Chávez queria emendar a Constituição para que pudesse concentrar quase todo o poder do país, inclusive eliminando os limites de reeleição.

O resultado vai certamente dar ânimo à fracionada oposição política venezuelana. E revela ainda a impaciência crescente entre os venezuelanos comuns - e um número surpreendente dos que apóiam Chávez - com a incapacidade do presidente de melhorar suas vidas, a despeito de o preço do petróleo estar próximo de seu recorde histórico e do fato de ele governar o país andino há tanto tempo.

A derrota de Chávez vai ter repercussões em toda a América Latina, prejudicando aliados em países como Bolívia e Equador, e reforçando os moderados no Brasil e no Chile. Para os Estados Unidos e a Europa, um Chávez mais fraco é uma notícia bem recebida. O ex-militar tem sido cada vez mais hostil nos últimos anos aos interesses dos países desenvolvidos, nacionalizando áreas da economia como a indústria petrolífera, as telecomunicações e os serviços públicos.

A despeito do resultado, Chávez vai continuar sendo uma força importante. Ele ainda conta com um profundo apoio entre a maioria pobre e trabalhadora do país. Ele controla os tribunais, a maior parte dos meios de comunicação, o Congresso e quase todos os governos estaduais e municipais.

Ele também é reconhecido como um rei da volta por cima. Em 2002, foi afastado do poder por dois dias, mas voltou. E, em 1998, somente quatro anos depois de ser solto da prisão por sua tentativa frustrada de golpe em 1992, Chávez foi eleito presidente da Venezuela pela primeira vez.

"Ele está ferido, mas ainda é muito perigoso", diz Fernando Ochoa, um ex-ministro da Defesa. Agora que o referendo fracassou, Ochoa alerta que Chávez pode tentar continuar promovendo sua agenda, talvez pela convocação de uma Assembléia Constituinte.

A principal lição que Chávez pode tirar da votação de domingo pode ser que seu povo está mais interessado em coisas como a economia e a taxa de criminalidade que em idéias grandiosas sobre o socialismo ou o posicionamento internacional de seu líder, inclusive suas infindáveis tiradas contra o presidente dos EUA, George Bush.

"As pessoas estão cansadas de seu estilo bombástico, após quase nove anos de uma mobilização quase constante", disse Peter Hakim, presidente do Diálogo Interamericano, instituto de Washington. "A mágica e o charme dele estão sumindo diante da qualidade ainda ruim dos serviços públicos."

Chávez usou o dinheiro do petróleo para direcionar bilhões de dólares em subsídios para saúde e alimentação. Os gastos criaram empregos e colocaram dinheiro no bolso das pessoas, mas outras políticas econômicas, como o tabelamento de preços, fracassaram. Produtos básicos como arroz, açúcar, leite e frango são às vezes difíceis de achar no país, cuja economia está em plena expansão com a riqueza gerada pelo petróleo.

A criminalidade é outro tema problemático. Enquanto Chávez voa pelo mundo afora e distribui o dinheiro do petróleo da Venezuela para aliados na América Latina, os crimes violentos estão em alta no país. Enquanto o rico consegue se isolar por trás de guarda-costas e muralhas, é o pobre - a base de Chávez - quem mais sofre.

O resultado da votação mostra que Chávez está muito mais distante de sua base de apoio do que sugere sua imagem magnânima, de homem do povo. Ele havia previsto uma vitória por dez pontos percentuais, e aparentemente não percebeu que muitos de seus simpatizantes podiam abandoná-lo. Uma explicação é sua agenda de viagens, que deixa menos tempo para assuntos internos. Outra é o isolamento que vem com o poder.

"Homens fortes geralmente se cercam de bajuladores, que lhes dizem o que querem ouvir", disse Riordan Roett, diretor do departamento de estudos das Américas da Universidade Johns Hopkins. "Eles viajam com as tonalidades suaves de seus assessores."

Ainda está por ser visto se Chávez, cujo estilo político tem sido mais de confronto do que de conciliação, vai dar ouvidos ao alerta que recebeu. Se não o fizer, a Venezuela pode enfrentar turbulência política, à medida que a oposição a Chávez, animada com o referendo, pressione por mais espaço.

Jerrold Post, diretor do Programa de Psicologia Política da Universidade George Washington, concluiu recentemente um estudo psicológico de Chávez para a Força Aérea americana. Diz que Chávez é "imensamente narcisista" e "egocêntrico". "Esse [resultado eleitoral] será um teste da realidade, mas não encerra a crença dele de que ele deve ser o presidente vitalício."

A derrota de Chávez deve dar um ânimo a seus opositores. Um dos maiores desafios para os líderes das classes média e alta dos partidos de oposição vai ser descobrir uma maneira de romper as linhas de classe e disputar os votos de defensores de Chávez desiludidos em bairros pobres. Embora muitos desses eleitores tenham se oposto ao referendo, eles também têm uma profunda desconfiança das elites venezuelanas que governam o país há gerações.