Título: Sai risco público, entra o privado
Autor: Fariello, Danilo ; Vieira, Catherine
Fonte: Valor Econômico, 05/12/2007, Eu, p. D1

Com os juros básicos menores, a 11,25% ao ano, e o maior desenvolvimento do mercado de capitais, a predominância dos títulos públicos como principal lastro das carteiras dos fundos de investimento é algo que tende a perder força. Nos últimos dois anos, com o aumento da oferta de papéis privados, como ações, debêntures e recebíveis, e também o maior apetite do investidor por fundos de risco diferenciado - como ações, multimercados e renda fixa crédito - a parcela de ativos privados no total da indústria de fundos vem aumentando, enquanto a de títulos públicos tende a diminuir.

Segundo a Comissão da Valores Mobiliários (CVM), a parcela de papéis do governo nos fundos caiu de 74%, em dezembro de 2005, para 69% em outubro. Essa diferença foi para papéis de empresas, sejam eles ações ou títulos de renda fixa. Os fundos de renda fixa crédito, por exemplo, que aplicam mais em papéis privados, têm patrimônio crescente.

Mas o que isso muda para o investidor? Em primeiro lugar, dizem os especialistas, é preciso entender que o perfil de risco dos papéis privados é diferente dos títulos públicos. Eles costumam render mais justamente porque têm mais risco. E é justamente para tentar obter uma rentabilidade diferenciada, num cenário de juros básicos menores, que os gestores tendem a selecionar ativos privados para a carteira. A idéia do gestor é que, no longo prazo, essa diferença de rentabilidade supere as perdas com eventuais calotes.

O risco da aplicação em ações já é popularmente conhecida. Elas podem subir ou cair. Mas, no caso dos títulos privados de renda fixa, como debêntures, CDBs, Cédulas de Crédito Bancário, cotas de Fundos de Direitos Creditórios (FIDCs) e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), os aplicadores precisam entender que é possível também perder, diz Renato Ramos, gestor de renda fixa do HSBC. Esses papéis agora fazem parte não apenas das carteiras de fundos de crédito, como também, em menor escala, de DIs e renda fixa regulares.

O vice-presidente da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), Marcelo Giufrida, observa que os títulos públicos vêm cedendo espaço para outros ativos de emissores privados, como ações, debêntures, CDBs e outros. Ele lembra, porém, que esse é um movimento natural numa economia e num mercado de capitais que se desenvolvem e amadurecem. "É algo bem-vindo, claro, desde que haja transparência, regras claras de precificação e informação para o cotista", diz Giufrida. Segundo ele, a Anbid, além de estar sempre atualizando seu código de auto-regulação, também está atenta para a importância das novas regras de adequação do perfil do cliente ao do produto (a chamada norma de "suitability"), que está em elaboração pela CVM.

O gerente de acompanhamento de mercado da CVM, Luiz Américo Ramos, diz que a autarquia está atenta ao maior volume de ativos privados nas carteiras, ajustando as normas e monitorando constantemente seu cumprimento. "Esses ativos vêm aumentando nos fundos, mas ainda assim são parcela relativamente pequena, os títulos públicos ainda têm um grande volume e acredito que essa transição não vai ser abrupta", diz ele. O gerente diz que esse processo de mudança no perfil das carteiras deve ser de aprendizado tanto para os administradores, quanto para a CVM e os investidores. "É uma nova era", diz ele, acrescentando que a autarquia está estreitando os contatos com o Banco Central, que possui experiência em questões de análise de risco de crédito.

No passado recente, perdas em fundos que continham CCBs e debêntures de emissores que tiveram problemas de solvência evidenciaram alguns dos riscos que existem nessas aplicações. No mês passado, vários fundos do Besc, de Santa Catarina tiveram prejuízo por conta da inadimplência de CCBs. As carteiras tiveram de assumir perdas de até 4,6% em um dia. No ano passado, foi a CP Cimento que deixou de pagar debêntures e levou fundos de diferentes instituições a perderem mais de 1%. Mas a perda mais traumática em renda fixa envolveu os fundos do Banco Santos em 2004, cujos cotistas ainda disputam na Justiça mais de R$ 400 milhões em títulos não pagos por quem devia para os fundos da gestora. Até hoje, foram recuperados apenas R$ 188,7 milhões em acordos judiciais.

Mesmo com as perdas esporádicas, o retorno maior nesses papéis do que o juro pago pelo governo na renda fixa tem atraído investidores. "Quem pode está buscando mais risco de crédito, que deverá crescer ainda mais nas carteiras", diz Guilherme Abbud , superintendente de renda fixa e multimercados da Votorantim Asset Management. O mercado brasileiro de renda fixa era distorcido antes, quando só havia risco público, diz Ramos, do HSBC. "É normal considerar risco de crédito, assim como ocorre no exterior há tempos." David Turnbough, economista da gestora global AllianceBernstein, disse em visita recente ao Brasil que grandes investidores já estão preferindo títulos de renda fixa de mercados emergentes àqueles de empresas menos confiáveis nos EUA. "Lá temos já um conceito de que títulos de renda fixa podem ser tão arriscados quanto ações."