Título: Com Israel, Mercosul faz primeiro acordo fora da América Latina
Autor: Landim, Raquel
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2007, Brasil, p. A3

Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai concluíram as negociações de um acordo de livre comércio com Israel. Falta apenas solucionar um detalhe técnico para que o compromisso seja selado na reunião de cúpula do Mercosul, que acontece segunda e terça-feira em Montevidéu. Se o pequeno entrave for resolvido a tempo, o acordo será o primeiro do Mercosul com um país de fora da América Latina. O vice-primeiro ministro de Israel e ministro da Indústria, Eliahu Yishai, é aguardado na capital uruguaia para a cerimônia de assinatura.

Embora o impacto econômico seja reduzido, o acordo terá implicações políticas importantes. Como Israel é um país desenvolvido, a conclusão das negociações derrubaria a tese de que o Itamaraty prioriza apenas acordos com países pobres. Israel é aliado dos Estados Unidos e um ferrenho opositor dos países árabes. A conclusão do acordo poderia azedar as relações brasileiras com os árabes, que foram impulsionadas durante o governo do presidente Lula.

Outra questão é a entrada da Venezuela do Mercosul. Ainda não se sabe qual seria a reação do presidente Hugo Chávez a esse acordo. Chávez cultiva estreitas relações com o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que é inimigo de Israel. A entrada da Venezuela no Mercosul ainda não foi ratificada pelos Congressos de Brasil e Paraguai, portanto, os venezuelanos participaram das reuniões de negociação com Israel, mas não tiveram poder de voto ou de veto.

O acordo entre Mercosul e Israel prevê a liberalização total de mais de 90% do comércio entre as duas regiões em até dez anos. Os produtos foram divididos em quatro cestas, com prazos diferenciados para o fim das tarifas de importação: imediato, quatro, oito e dez anos. Um percentual pequeno de produtos, entre 5% e 8%, estarão sujeitos a cotas de importação. Entram nessa lista produtos agrícolas, como açúcar, carnes e laticínios. Apenas 2% dos produtos estariam fora do acordo. Os israelenses relutaram em abrir o mercado, porque queriam proteger a produção artesanal dos "kibbutz", pequenas comunidades agrícolas.

O detalhe técnico que ainda ameaça o acordo é uma demanda do Uruguai pela criação de um certificado de origem derivado. Na prática, significa que, ao chegar ao porto de Montevidéu, o produto israelense poderá ser embarcado para Argentina, Brasil e Paraguai com um certificado de origem do Uruguai, ou seja, como se tivesse sido produzido naquele país.

Os uruguaios não abrem mão deste ponto, porque querem transformar Montevidéu em um porto de chegada para os produtos israelenses. Outro objetivo do Uruguai é estabelecer um precedente, já que se trata do primeiro acordo de livre comércio do Mercosul fora da região. Os demais países do bloco temem problemas práticos nas aduanas. Se houver dúvidas sobre a origem de produto, quem será questionado: Israel ou o Uruguai? O tema deve ser debatido pelos negociadores do Mercosul hoje, sábado, e, se for necessário, domingo.

De janeiro a outubro deste ano, a corrente de comércio entre Brasil e Israel somou US$ 856 milhões. Os brasileiros amargam déficit de US$ 240 milhões com Israel. O Brasil importou US$ 548 milhões de Israel nos primeiros dez meses do ano, alta de 40% em relação a janeiro-outubro de 2006. Já as exportações somaram US$ 308 milhões, crescimento de 37% na mesma comparação.

Os principais produtos da pauta de importação do Brasil com Israel são cloreto de potássio, superfosfato e outros fertilizantes e herbicidas. Já as exportações brasileiras para aquele país estão focadas em itens agrícolas, como carne bovina congelada, soja e açúcar.

As negociações entre Mercosul e Israel começaram em 2005, depois de uma visita do ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, a Tel-Aviv. O processo foi acompanhado de perto pelas associações industriais brasileiras e pela embaixada de Israel no Brasil. Na avaliação do setor privado, a negociação com Israel foi fácil, já que não é um competidor importante do Mercosul. No entanto, selar esse compromisso pode ser importante para o bloco em um momento em que se critica a capacidade do Mercosul de negociar acordos em conjunto.

"Dado o peso e a importância da comunidade judaica na economia de São Paulo, esse acordo é muito importante", afirmou o vice-presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior (Coscex) da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Carlos Cavalcanti. "Muda muita coisa na percepção da política comercial brasileira", completa o empresário.

A indústria brasileira comemora o possível acordo, porque aumentaria a competitividade de seus produtos em Israel. Os fornecedores brasileiros estão em desvantagem, porque Israel possui acordos de livre comércio com Estados Unidos e Europa. A Turquia, outro fornecedor importante, também se beneficia de alguns vantagens tarifárias. Os industriais brasileiros avaliam que haverá um ganho tecnológico para o país, com acesso mais barato a sofisticados equipamentos israelenses de irrigação e segurança.

Para o setor agrícola, o acordo com Israel é um avanço, mas os benefícios são reduzidos, pois trata-se de um mercado pequeno. "É importante que o acordo com Israel seja o gatilho para destravar uma estratégia de negociação bilateral mais agressiva", afirma André Nassar, diretor-geral do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), mantido por entidades ligadas à agricultura brasileira. Ele ressalta que o setor deseja também selar acordos com os países do Golfo Pérsico, Índia, África do Sul e União Européia.