Título: Lei do Saneamento deve ir à Justiça
Autor: Goulart , Josette
Fonte: Valor Econômico, 04/12/2007, Legislação, p. E1

Uma disputa entre empresas públicas e privadas que começou no início deste ano, quando entrou em vigor a nova Lei do Saneamento, deve chegar ao Poder Judiciário a partir do ano que vem. De um lado, o setor privado tenta ingressar em um mercado até agora dominado pelas companhias estaduais e convencer prefeitos de que pode baixar tarifas de água e esgoto se for contratado por meio de licitações. De outro, estatais alegam pesadas indenizações como argumento na tentativa de renovar as concessões vigentes hoje dentro dos moldes da nova legislação. No meio desta disputa estão os municípios, que precisam negociar os valores dessas indenizações se quiserem retomar os serviços dentro das regras do novo marco regulatório do setor de saneamento.

A Lei nº 11.445, que em janeiro deste ano estabeleceu as diretrizes nacionais para o saneamento básico, abre três possibilidades para o setor: que os municípios retomem os serviços de água e esgoto e façam licitações; que criem companhias municipais; ou que renovem as atuais concessões das companhias estaduais por meio de associações com os governo dos Estados. Se não renovarem com as empresas públicas, terão que pagar indenizações relativas aos valores investidos e ainda não amortizados pela cobrança de tarifas, como estabelece a alteração feita na Lei de Concessões pela Lei nº 11.445.

A advogada Alessandra Ourique de Carvalho, sócia do escritório Rubens Naves, Santos Jr, Hesketh, explica que estes valores devem ser estabelecidos por empresas de avaliação e que tanto municípios quanto companhias estaduais devem estar de acordo com a escolha desta empresa. Mas a lei não prevê nada caso não se chegue a um acordo - e por isso fatalmente chegará à Justiça, já que no fim do ano que vem, pela legislação, municípios e empresas de saneamento já devem ter estabelecido contratos de renovação temporários de seis meses.

O presidente do conselho da Associação das Concessionárias Privadas de Água e Esgoto (Abcon), Yves Beffe, diz que hoje existe uma lei em teste, ainda sem jurisprudência, e que, portanto, cada um a interpreta a seu favor. Empresários dizem que há municípios sendo "forçados" a renovar concessões sob a ameaça das indenizações. Além disso, há ainda questões políticas, já que a lei permite a gestão associada que evita a licitação, o que acirra a disputa entre setor público e privado.

Dominado pela Sabesp, hoje companhia de capital aberto em bolsa de valores e cotada para ser privatizada, o Estado de São Paulo é hoje o de mais difícil acesso às empresas privadas que pretender ingressar no mercado de saneamento. Nos últimos meses, já sofreram derrotas como a do município de Lorena, que depois de ter publicado um edital para licitar os serviços de água e esgoto acabou por entrar em acordo com a Sabesp. O superintendente de renovação de contratos da empresa, Luís Carlos Neto Aversa, diz que a Sabesp continua negociando mesmo que o município já tenha decidido retomar o serviço - justamente o que ocorreu com Lorena, cuja decisão foi revertida. Ele afirma que a previsão legal das indenizações ajudou a companhia, que enfrentava prefeitos dispostos a encerrar definitivamente os contratos. Ao todo foram R$ 10 bilhões investidos nos últimos dez anos. Aversa não sabe dizer exatamente o valor amortizado, mas afirma ser inferior a 50% do aplicado. O resultado é que, dos 174 contratos a vencer até dezembro deste ano, 66 já foram renovados e outros 48 aprovados pelas câmaras municipais por meio da gestão associada, que dispensa a licitação.

Diante das renovações, o setor privado já prepara o contra-ataque: quer uma licitação ampla e que a Sabesp concorra de igual para igual com as demais empresas. Para isso já estuda até mesmo processos no âmbito do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Um dos vice-presidentes da Associação Brasileira de Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) e presidente da Eco Enob, Newton de Lima Azevedo, diz que o setor privado está digerindo as novas regras, mas que vai se posicionar e que já pensa em uma saída - como o Cade. Azevedo diz que existe até mesmo a possibilidade do ingresso de ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra determinadas medidas adotadas pelos governos estaduais - e tudo isso já a partir de 2008. Mas o empresário reforça que o ideal é fazer uma negociação interna antes de se ir à Justiça, para tentar um acordo como o que aconteceu entre setor público e privado para que, após 20 anos, a nova Lei do Saneamento fosse aprovada.