Título: Já sem esperanças
Autor: Santana, Ana Elisa
Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2011, Brasil, p. 12

Além dos mais de 800 mortos, catástrofe na região serrana registra cerca de 540 desaparecidos, mas autoridades acham muito improvável que algum deles seja encontrado com vida. Número de vítimas pode passar dos 1.300

Após 15 dias de trabalhos de busca a vítimas das chuvas na região serrana do Rio de Janeiro, os bombeiros localizaram ontem, em um condomínio de Nova Friburgo, os corpos de três pessoas da mesma família. Pai, mãe e filha, encontrados soterrados, fazem parte dos cerca de 540 desaparecidos desde o temporal do último dia 12, de acordo com dados do Ministério Público do estado. Duas semanas depois da tragédia, ainda não há previsão para o encerramento das buscas, e as equipes de resgate trabalham com chances muito remotas de encontrar sobreviventes. ¿Pode acontecer, em casos raros, que alguns desses desaparecidos esteja em áreas isoladas e não tenham se manifestado. Mas a busca, hoje, não é mais por pessoas que estejam vivas¿, lamenta Flávio Luiz de Castro, secretário de Defesa Civil e Meio Ambiente de Teresópolis, cidade que contabiliza 244 desaparecidos, maior número entre os municípios atingidos.

Se confirmadas as mortes de todos os desaparecidos, a quantidade de óbitos deve passar de 1.300 e reafirmar os deslizamentos e enxurradas do Rio de Janeiro como a maior tragédia climática da história do país. Até ontem, a Defesa Civil do estado havia confirmado 836 mortos, quase o dobro do registrado na antes considerada pior catástrofe brasileira, ocorrida em 1967, em Caraguatatuba, litoral norte de São Paulo, quando 436 pessoas morreram.

Os moradores das cidades atingidas na região tentam, aos poucos, retomar a rotina. O comércio nas áreas urbanas dos municípios já voltou a funcionar e o fornecimento de água e de energia elétrica foi retomado na maior parte das localidades atingidas. As zonas rurais, no entanto, ainda sofrem com dificuldade ou falta de acesso. Segundo a prefeitura de Sumidouro, pontes que foram destruídas com as chuvas dificultam a chegada a algumas áreas, e o socorro a produtores rurais é feito com o uso de jipes.

Cerca de 50 famílias estão isoladas, também, em duas localidades de Teresópolis, e recebem auxílio por meio de aeronaves. Segundo o secretário de Meio Ambiente do município, o bairro de Campo Grande provavelmente não poderá voltar a ser habitado. ¿Depois de avaliações, poderemos confirmar. Hoje, só temos uma pista aberta para socorro e para ajudar com algo que tenha sobrado¿, explica Castro.

Em Nova Friburgo, segundo a prefeitura, a distribuição de água e luz em algumas das áreas consideradas de risco ainda depende de liberação da Defesa Civil, e só não foi retomada para que os moradores não voltem às casas, que podem desabar. Levantamento da Secretaria Estadual de Saúde e Defesa Civil fluminense aponta que pelo menos 29 mil pessoas estão fora de suas casas em toda a região. Segundo a Caixa Econômia Federal, entre 20 de janeiro e a última quarta-feira, 9.533 das cidades de Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo e Bom Jardim pediram informações para retirada do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Desses, 1.154 benefícios estão disponíveis para pagamento.

Há 8.914 vítimas morando em espaços improvisados como ginásios, galpões e escolas, e as prefeituras tentam providenciar novos locais para os desabrigados ou remanejar os estudantes para não prejudicar a volta às aulas. Em Teresópolis, município que registra mais desabrigados (5.058), quatro escolas municipais foram totalmente destruídas pelo temporal e 20 ficaram danificadas. Outras seis abrigam famílias atingidas pelas chuvas e duas funcionam, desde 12 de janeiro, como depósito de alimentos. A previsão da Secretaria de Educação municipal é de que hoje sejam liberados os laudos da Defesa Civil sobre a situação dos prédios escolares para que os centros de ensino retomem as atividades em 7 de fevereiro.

Parceria na reconstrução » Marcelo da Fonseca

Os municípios da região serrana do Rio de Janeiro ganham hoje uma importante ajuda para tentar reerguer as moradias da população atingida pelos desabamentos que devastaram boa parte da área há 15 dias. Será anunciada às 15h, na capital fluminense, uma parceria firmada entre o governo do Rio e um grupo de nove construtoras brasileiras (MRV, Cyrela, PDG, Rossi, Direcional, Encampi, Rodobens, Gafisa e Bairro Novo) que vai ajudar a levantar duas mil novas casas populares em sete municípios atingidos pela tragédia.

Na cerimônia de hoje, estão confirmadas as presenças da presidente Dilma Rousseff, do governador do estado, Sérgio Cabral, e dos presidentes das empresas que participam do programa de construção.

As duas mil moradias populares serão destinadas às famílias que continuam desabrigadas. O acordo firmado prevê que o setor público coloque à disposição os terrenos adequados e a infraestrutura para o início das obras. Os valores e as datas de entrega das casas ainda não foram divulgados.

Cidade sofre com a sujeira Nova Friburgo (RJ) ¿ Nova Friburgo ainda terá um ano de doenças em decorrência dos temporais e deslizamentos de terra ocorridos no último dia 12 na região serrana do Rio de Janeiro. Essa é a previsão da secretária municipal de Saúde, Jamila Calil. A perspectiva é que a situação se agrave devido ao aumento dos problemas provocados pela grande quantidade de sujeira e de poeira que toma conta do município. ¿É provável que tenhamos mais casos de doenças respiratórias e de pessoas com ferimentos infeccionados¿, acrescentou Antonio Fabiano Chicres da Costa, diretor do único hospital público da cidade.

Friburgo foi o município mais castigado pelas chuvas na serra fluminense. No hospital, grande parte da infraestrutura acabou alagada e está fechada. Segundo Chicres da Costa, o pronto-socorro, o refeitório, o laboratório, o almoxarifado, o hemocentro e o ambulatório cirúrgico do edifício ficaram inundados. ¿Ainda precisaremos de três a seis meses para recuperar o prédio.¿

Mesmo assim, o hospital está trabalhando de forma parcial. ¿Conseguimos manter o hospital em funcionamento, apesar da enchente, mas precisaremos de 30 a 60 dias para voltar a atender a população, principalmente aqueles pacientes com problemas crônicos, que estão sendo transferidos para a cidade do Rio de Janeiro¿, disse a secretária Jamila.

¿Alguns dos nossos funcionários tiveram suas casas danificadas e não estão podendo vir. Outros decidiram suspender o vínculo com o hospital¿, lamentou o diretor. Ele afirmou que já manteve contato com o Ministério da Saúde, que prometeu enviar profissionais para o município.

Antes da enxurrada, a cidade contava com três hospitais: um público e dois privados. Desses, um está fechado. O posto de saúde do município teve sua estrutura condenada pela Defesa Civil.

A secretária Jamila disse que não é possível definir, no momento, o montante que precisará ser gasto para recuperar a estrutura da área de saúde do município, já que o levantamento sobre os prejuízos ainda não foi concluído.