Título: Senado mostra-se imune a governadores
Autor: Lyra, Paulo de Tarso
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2007, Politica, p. A14

O governo levou três semanas conversando intensamente com os senadores em busca de apoio à aprovação da CPMF. Nesse período, somado aos meses anteriores de conversas e articulações, só conseguiu reverter um voto contrário: o do senador Pedro Simon (PMDB-RS), que resolveu apoiar a prorrogação do imposto do cheque na esperança de que os recursos melhorassem a saúde financeira do Rio Grande do Sul. Nos demais casos, nenhum avanço, e o Planalto amargou a maior derrota política desde a primeira eleição de Lula em 2003. Acostumado a negociar como um rolo compressor na Câmara, o governo mais uma vez se viu impotente nas negociações com o Senado. Em outros momentos, apesar de alguns sustos, obteve êxito. Na madrugada de quarta, não deu certo.

O Senado mostrou ao governo que o ritmo de negociações com a Casa é peculiar, bem mais complexo do que os acordos firmados com a Câmara. Alguns fatores pesam nesse cenário, na opinião dos senadores. O primeiro deles é que, por ser uma Casa menor (81 senadores contra 513 deputados), fica muito mais fácil o controle de votos por parte das cúpulas partidárias. Isso ficou explícito no caso do DEM e do PSDB. Na primeira legenda, os senadores Jayme Campos (MT) e Jonas Pinheiro (MT) queriam aprovar a CPMF, atendendo os apelos do governador Blairo Maggi. Acabaram aceitando a orientação da direção da legenda.

Entre os tucanos, senadores como Sérgio Guerra (PE), Tasso Jereissati (CE), Marconi Perillo (GO) e Lúcia Vânia (GO) defenderam a manutenção do diálogo com o governo, mas foram vencidos pela pressão, sobretudo do senador Arthur Virgílio (AM). "Como somos um grupo menor, mais fechado, somos mais fiscalizados pelos líderes. Quem vota com uma orientação contrária, torna-se menos confiável perante seus pares", declarou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). No outro lado da moeda, o senador goiano acredita que os desobedientes reforçam a suspeita de "negociações não republicanas" em busca de adesão. "Aqui as ofertas de fisiologismo são muito mais fiscalizadas", completou.

Isso não quer dizer que alguns senadores não tentem "negociar" com o governo. Mas aí também o cenário é diferente da Câmara. Senadores são eleitos pelo sistema majoritário, não dependem de bajulações a prefeitos para conseguir se eleger. Apóiam-se no argumento de serem representantes da Federação e, por isso, teriam condições de pedir faturas mais altas em troca de votos favoráveis. "Mesmo que a quantidade de demandas seja maior, normalmente elas são mais volumosas. Um deputado representa uma região, um senador apresenta demandas estaduais", reconheceu o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN).

Se são independentes dos prefeitos, muitos senadores também batem no peito para se mostrarem imunes às pressões dos governadores. Em um dos vários discursos inflamados proferidos na tribuna do Senado, durante a votação da CPMF na quarta, o tucano Arthur Virgílio (AM) expressava o respeito aos governadores de seu partido - que apoiavam a prorrogação da CPMF - mas afirmava que os senadores decidiriam seu voto de maneira autônoma. "Normalmente, os senadores são lideranças estaduais. Por isso, é sempre um erro o governo federal achar que os apelos de governadores podem surtir efeito", acrescentou Garibaldi.

Um dos integrantes da base aliada que votou contra a prorrogação da CPMF, o senador César Borges (PR-BA) acha que o governo sempre subestima o Senado. Confiante na ampla base que detém na Câmara, o Planalto atropela os deputados e, quando os projetos chegam ao Senado, o Executivo tende a achar que terá as mesmas facilidades. "Os senadores são mais experientes, jamais vão se conformar em ter um papel meramente homologatório", justificou o senador baiano. "Além do mais, o Senado não pode ser tratado como um bloco monolítico. Cada senador tem suas particularidades".

Essas nuances também dificultam os acordos. Ministros palacianos exemplificam as dificuldades encontradas em Roraima, por exemplo. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB) é senador por Roraima. Por divergências políticas estaduais, Mozarildo Cavalcanti (PTB) tendia a votar em pólo oposto ao de Jucá. Acabou não votando, porque, na noite de quarta, ainda estava no Estado, acompanhando os funerais do ex-governador Ottomar Pinto.

Ainda há outros fatores que dificultam a vida do governo. No Senado, a maioria é frágil. Numericamente, o Planalto até teria os 49 votos necessários - a base é composta por 53 senadores - mas as dissidências, comuns também na Câmara, pesam mais em um universo menor. "O PMDB da Câmara tem quase 100 deputados. Vinte por cento de votos contrários asseguram 80 votos de apoio ao governo. Aqui, temos 20 senadores. Se os mesmos 20% votarem contra a orientação do Executivo, o impacto é muito maior", confirmou o líder do PMDB no Senado, Valdir Raupp (RO).

A articulação política também é deficiente. Durante as últimas semanas, por diversas vezes, o ministro da coordenação política, José Múcio Monteiro, confessou que era o senador Romero Jucá quem tinha a devida noção dos perigos e cálculos para aprovação da CPMF. "Desde que foi criado o cargo, todos os ministros da coordenação política - Aldo, Jaques, Walfrido, Múcio e Tarso Genro - só tinham experiência de Câmara. Nenhum deles foi senador. A articulação sempre foi capenga", criticou a líder do PT no Senado, Idelli Salvatti (SC).