Título: O golpe de mestre de Renan e do seu PMDB
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/12/2007, Opinião, p. A12

Foi simples como arrancar um dente. O presidente licenciado do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), entrou no plenário na tarde de quarta-feira e leu uma curta mensagem, renunciando ao cargo. Em seguida, com um sorriso nos lábios - e uma confiança tão grande que lhe permitiu se abster de votar a seu próprio favor -, enfrentou uma sessão de 5h13m, na qual 18 senadores pregaram sua cassação por quebra de decoro parlamentar e apenas quatro assumiram publicamente a sua defesa. Após uma votação secreta, Renan foi absolvido pelo voto de 48 senadores - contra ele votaram apenas 29. Seus detratores tinham que arregimentar 41 votos para cassá-lo. Pela segunda vez, em menos de dois meses, Renan foi absolvido por seus pares.

O senador alagoano confiou num acordo com o governo segundo o qual ele renunciaria à presidência do Senado e automaticamente teria os votos para se livrar da segunda representação a que respondia por quebra de decoro. Na primeira, era acusado de ter usado dinheiro de uma construtora para pagar despesas pessoais. Esta semana, sua condenação era recomendada pelo relator, o senador Jefferson Péres (PDT-AM), que considerou haver indícios suficientes de que Renan era, de fato, o proprietário de duas rádios e um jornal em Alagoas, cuja propriedade era registrada em nome de "laranjas".

O acordo, reforçado por uma próxima votação da CPMF - que recomenda não deixar "contrariado" o PMDB de Renan -, continuou surtindo efeito na quarta-feira. O presidente do Conselho de Ética, Leomar Quintanilha (PMDB-TO), simplesmente arquivou duas outras representações contra Renan. Prevê-se ainda que a mesa determine o arquivamento de uma outra denúncia contra o agora ex-presidente da Casa.

O governo pagou adiantado por votos que não tem a garantia de dispor na semana que vem, quando irá à votação a emenda que prorroga a CPMF e a Desvinculação de Receitas da União (DRU). Pacientemente, dividiu o desgaste de uma crise de 194 dias que tinha um único nome, Renan Calheiros. Enquanto a base governista e o Planalto eram condenados à paralisia devido às peripécias de um pemedebista, o PMDB exigia mais cargos e liberação de verbas de emendas de interesse particular de seus senadores. É um contra-senso, mas foi isso o que aconteceu: o PMDB usou de uma crise que era apenas sua para chantagear o governo e patrocinar os interesses não apenas de Renan, mas da coletividade dos senadores pemedebistas. Socializou a chantagem. No final da história, levou tudo. Em troca, o Planalto carrega o desgaste de uma aliança partidária onde a barganha é tão pública e tão pouco "republicana", como diria o ministro Tarso Genro, que faz de Renan Calheiros a normalidade - mesmo com suas relações pouco recomendáveis com empreiteiras e laranjas, suas fazendas com gado fantasma ou o uso de funcionários do Senado para espionar senadores oposicionistas. Péres, relator do processo contra Renan derrubado pelo Senado, com a ajuda dos governistas, transforma-se na aberração - é o "pobre senador" ridicularizado por Renan na comemoração de sua absolvição, na casa da senadora Roseana Sarney (PMDB-MA).

A força demonstrada pelo PMDB em geral, e por Renan em particular, em todo o episódio onde o único réu deveria ser o próprio Renan, compromete um governo que os alimentou e, ao mesmo tempo, não se reverte em seu favor. Pelo contrário. O que o PMDB mostrou ao Palácio do Planalto foi o seu enorme poder de chantagem, e sem dúvida o usará para manter diminuído o Legislativo e acuado o Executivo. E ao governo o partido nem pede o benefício coletivo, em favor de programa e princípios partidários. O PMDB continua a soma de interesses individuais. Para ter o seu apoio, é preciso fazer concessões a cada um, o que torna o preço do partido muito alto para os votos efetivamente dados a matérias de interesse do governo. Como isso é a regra, não a exceção, as negociações, por mais espúrias que sejam, passam a ser tratadas com enorme naturalidade, e por serem naturais tornam-se naturalmente públicas. Ao serem "vazadas", as exigências feitas pelo partido corroem não apenas a credibilidade do PMDB, mas do próprio governo, e arrastam também o Legislativo. E não apenas Péres torna-se o "pobre relator". Renan, o seu PMDB e o governo que a eles concede poderiam igualmente zombar de todos aqueles que assistem estarrecidos a esse triste espetáculo. "Pobre país", diriam.