Título: A votação da CPMF e o segundo mandato de Lula
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 14/12/2007, Opinião, p. A16

A manutenção da CPMF não era desejável, pelo menos na sua atual alíquota de 0,38%: é um imposto regressivo e cumulativo, defeitos que não compensam a qualidade de ter exercido uma importante função fiscalizatória ao longo de seus 14 anos de existência. A forma como foi derrubado, no entanto, leva a algumas forçosas reflexões sobre o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A primeira delas é a de que, se as urnas deram ao governo uma maioria folgada na Câmara, não resolveram, todavia, o problema no Senado. Lá, a maioria depende do PMDB - e governo que está sujeito àquele partido não tem a maioria. Na Câmara, onde a maioria é folgada, o poder de negociação dos pemedebistas consiste em seguir a boiada governista e compor. No Senado, onde é fundamental para somar numericamente uma maioria, o partido ganha quando vai contra a maré governista, valorizando cada voto. Isso quer dizer que o Palácio do Planalto não teve no primeiro mandato a maioria no Congresso, não tem agora e não terá até dezembro de 2010, quando Lula completa seu segundo e último mandato. O governo, quanto menos mandato tiver a cumprir - isto é, quanto mais se aproximar da eleição para a sucessão de Lula -, menos chances terá de transitar assuntos de seu interesse no Legislativo.

A segunda reflexão é sobre a incrível dificuldade do governo de negociar com outras forças políticas. Os desacertos do primeiro mandato parecem não ter servido de aprendizado. Os negociadores e porta-vozes dos interesses governistas (aí incluído o presidente Lula) foram protagonistas de uma dança maluca, onde os ataques e os afagos aos opositores do imposto se revezaram, sem sinalizar se e até onde o governo objetivamente negociaria. Os movimentos oscilaram entre os que denunciavam uma certeza arrogante na vitória e aqueles que expunham desespero. Liberação de emendas de senadores, conversas com governadores de oposição, um excessivo servilismo aos partidos da base à direita do espectro político e um trabalho desajeitado de cooptação individual de adversários se misturaram a declarações apocalípticas sobre o os efeitos do fim da contribuição e ameaças de retaliação. No conjunto, os ataques politizaram um debate que poderia ser encarado tecnicamente, dando espaço à oposição para que se consolidassem as posições daqueles que queriam ver o circo pegar fogo.

Na oposição, a vitória no Senado contra o governo também expôs grandes fragilidades. Por trás da decisão do PSDB de não negociar escondem-se disputas políticas e desacertos. Existe uma guerra surda entre o ex-PFL, hoje DEM, e o PSDB, pela parcela de eleitorado de classe média. No momento em que o DEM fechou questão contra a contribuição, colocou o PSDB num impasse: se negasse a negociação, estaria aceitando a liderança do partido conservador no processo, invertendo a posição mantida nos dois governos FHC. Se negociasse abertamente com o governo, daria ao ex-PFL, de bandeja, a bandeira da redução de impostos. Internamente, expôs a fissura entre bancada no Senado e governadores, e entre partidários de FHC e dos candidatos à Presidência em 2010.

Os desacertos tucanos, ironicamente, acabaram valorizando-os na negociação. Era para o PSDB que o governo olhava quando propôs manter a CPMF, mas destinando toda a arrecadação à Saúde. Essa foi uma vitória tucana, que favoreceria em muito os governadores do partido, em especial os dois que serão candidatos em 2010, José Serra (SP) e Aécio Neves (MG). Mas, curiosamente, a bancada no Senado desprezou a vitória.

Até ontem, não se sabia se o governo enviaria uma nova medida provisória reinstituindo a CPMF em fevereiro O presidente Lula disse que não mexeria mais no assunto. Mas pode mudar de idéia. Se aprendeu alguma coisa com a derrota, o governo terá que negociar antes que a MP percorra as duas casas legislativas. Se o PSDB estiver interessado em negociação que seja benéfica ao país, poderá dar ao governo um prazo para acabar com o imposto, partindo da alíquota original, de 0,20%, e reduzindo-o até um patamar mínimo, que o mantenha vivo apenas pela sua qualidade, de instrumento fiscalizatório de sonegação e da lavagem de dinheiro. Destinar o imposto exclusivamente à Saúde também é uma boa medida.