Título: Crédito trilionário em suaves parcelas
Autor: Martins, Victor
Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2011, Economia, p. 14

Financiamentos encerram 2010 em R$ 1,7 trilhão. Superoferta de dinheiro faz o consumidor dividir a compra em vez de pagar à vista

A oferta de crédito em abundância mudou o perfil do consumo no Brasil a ponto de levar quase que à extinção o pagamento à vista. Dados do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC) mostram que cerca de 80% das compras realizadas no varejo são financiadas, número que reflete ainda a corrida consumista dos últimos anos, um movimento que fez o volume das operações de crédito se expandir 20,5% em 2010. Conforme o balanço divulgado ontem pelo Banco Central, o estoque de financiamentos fechou 2010 em R$ 1,703 trilhão ¿ o que representa 46,6% do Produto Interno Bruto (PIB).

Entre os financiamentos sem fins específicos e os livres, o sistema financeiro deixou à disposição das famílias R$ 775,3 bilhões no ano passado. O montante é 21,9% superior ao de 2009, quando a cifra havia chegado a R$ 635,9 bilhões. Para o setor produtivo o valor foi maior, R$ 928,4 bilhões. As modalidades de crédito responsáveis pela expansão foram as de veículos, imobiliário e crédito pessoal.

O servidor público Carlos Alberto Lima, 46 anos, sempre utiliza o cartão de crédito, mas, neste mês, vai fazer diferente: planeja pagar uma televisão em parcela única. ¿Economizei o 13º salário e não viajei¿, diz. Segundo ele, no entanto, as compras raramente são feitas dessa maneira. O hábito é dividir o pagamento em 10 ou 12 vezes. ¿Sempre financio, mas só se for sem juros. Ainda mais agora que a taxa aumentou. O chato é ficar com muitas dívidas. Mas o fato é que facilita a aquisição¿, explica Lima.

Miguel de Oliveira, economista-chefe da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), lembra que o crédito é a porta de entrada para o acesso a bens duráveis. ¿Para a maioria da população, comprar a prazo é necessidade. Se tiver que adquirir uma geladeira de R$ 1,5 mil à vista fica impossível, mas se sair a R$ 150 mensais, ele consegue¿, exemplifica o especialista.

O financiamento de veículos, por exemplo, permitiu a renovação de quase toda a frota nacional nos últimos anos. Só em 2010, essa modalidade registrou crescimento de 49,1%. O crédito imobiliário seguiu em trajetória um pouco mais acentuada, com incremento de 51% frente a 2009. Com tanta fartura, os consumidores esqueceram os benefícios da compra à vista. Em muitas lojas, o desconto varia entre 5% e 20% em aquisições com dinheiro ou débito em conta-corrente.

Burocracia Rosângela Oliveira, gerente geral de uma rede de varejo, adverte que mesmo com o abatimento as pessoas preferem parcelar. ¿Nas nossas lojas localizadas em shoppings, 45% das compras são feitas no cartão de crédito, 20% à vista e o restante no carnê. Só que isso muda nos comércios de rua ¿ lá há preferência por carnês¿, afirma. Para a rede, a melhor opção é a compra em espécie. ¿Preferimos assim, até porque não tem burocracia. Pagamos 1,5% pela compra em crédito e 0,5% no débito¿, completa Rosângela.

Em compras de valor expressivo, como carros e casas, o total financiado é ainda maior. Na concessionária Estação Fiat, por exemplo, a estatística chega a 75%. ¿As taxas são atrativas e, por isso, é mais fácil parcelar. As pessoas costumam dividir entre 48 e 60 vezes¿, afirma o gerente comercial da revendedora, Rafael Correa.