Título: Mercosul desafia UE a retomar negociação
Autor: Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2007, Brasil, p. A6

O Mercosul acaba de fazer praticamente um desafio à União Européia (UE) para retomar o mais rápido possível a negociação do acordo de livre comércio entre os dois blocos, que está paralisada há meses. O comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, recebeu pela primeira vez, na semana passada, uma carta dos quatro países do Mercosul, assinada por Reinaldo Gargano, ministro das Relações Exteriores do Uruguai, na presidência temporária do bloco, indicando formalmente a disposição de reativar as discussões.

Há algumas semanas, o comissário europeu tinha enviado uma reclamação aos ministros do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, contra a elevação da Tarifa Externa Comum (TEC) na importação de têxteis e calçados. Em nome do bloco, Gargano respondeu no dia 28, justificando a decisão e insistindo que isso não afetará o comércio com a UE. E sinaliza que, na verdade, o bloco quer negociar liberalização. Essa sinalização vem no fim da carta, que foi certamente negociada nas capitais do Mercosul. Confirma o interesse do bloco de retomar "o mais rápido possível" a negociação birregional e conclama Bruxelas a "repartir o mesmo objetivo".

A mensagem foi interpretada em importantes gabinetes de capitais européias como um desafio do Mercosul à relutância especialmente de Mandelson e deixa claro que a bola está no campo europeu. Essa posição toma uma dimensão mais política pelo novo contexto, pois vem logo após o anúncio de Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), estabelecendo mais um prazo, dezembro de 2008, para concluir a combalida Rodada Doha.

A UE tem argumentado que primeiro quer ter certezas dos rumos da negociação global, para só então avançar as discussões com o Mercosul. Ocorre que, ao mesmo tempo, Mandelson tenta acelerar discussões com a Índia e outros países asiáticos em rápido crescimento econômico.

Em junho, dois dias após o fiasco de Potsdam sobre o futuro da Rodada Doha, o comissário europeu impulsionou a abertura de negociação bilateral com a Índia. E não respondeu a convite do Mercosul para reativar a negociação birregional.

Mandelson e a representante americana de Comércio, Susan Schwab, tinham acusado o Brasil e a Índia de fazer capotar a negociação de Potsdam. Daí a surpresa, inclusive em Bruxelas, com a diferenciação política praticada pelo comissário em relação aos dois gigantes em desenvolvimento.

Numa ocasião em que foi questionado pelo Valor sobre esse tratamento diferente, Mandelson retrucou que isso não tinha sentido porque a negociação com o Mercosul estava avançada e a da Índia apenas começando.

Agora, o desafio do Mercosul coloca Mandelson na parede. Até o mês passado, os parceiros ainda levavam em consideração o argumento da UE sobre o rumo da Rodada Doha. Agora, pelo ritmo das discussões em Genebra e pela falta de credibilidade no cumprimento de prazos, isso é menos fácil de ser engolido.

O comissário ainda não respondeu ao Mercosul. Ontem, porém, num discurso, ele contestou o ceticismo demonstrado pela senadora americana Hilary Clinton sobre o valor da Rodada Doha. Para ele, o sucesso da negociação global é essencial para criar substancialmente mais comércio e evitar mais problemas na economia mundial.

A negociação Mercosul-União Européia foi iniciada em abril de 2000 e está paralisada há meses. Bruxelas chegou a anunciar inclusive novo formato de negociação comercial com os asiáticos, incluindo temas ambientais e trabalhistas. Para os europeus, esses temas igualmente serão incluídos num futuro acordo com o Mercosul, embora em outra linguagem, o que visivelmente não é apreciado por Brasília.

Pelos dados de Bruxelas, o comércio entre a UE e o Mercosul mais que dobrou desde os anos 90. O comércio de mercadorias entre os dois blocos alcançou ? 67,4 bilhões no ano passado, com superávit de ? 13,5 bilhões para o Mercosul. A UE é o maior cliente dos produtos agrícolas do Mercosul. Se a negociação for concluída, será o primeiro acordo pelo qual os europeus aceitarão liberalizar, mesmo lentamente, seu protegido mercado agrícola.