Título: Lupi rebela-se contra Comissão de Ética
Autor: Costa, Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 06/12/2007, Brasil, p. A8

Antonio Cruz/Abr Lupi: ministro acusa Marcílio Marques Moreira de defender interesses particulares Pela primeira vez desde a criação de um código de conduta para os servidores, um ministro de Estado se rebela contra uma decisão da Comissão de Ética Pública, e com isso, ameaça causar um constrangimento ao presidente da República. Trata-se de Carlos Lupi, que, por acumular o Ministério do Trabalho com a presidência do PDT, foi intimado pela comissão a optar por um dos cargos "com vistas a dirimir o conflito de interesse em questão".

Ao ser informado da decisão, Lupi disse que fora "eleito presidente" do PDT, condição da qual não abre mão, e que ocupa um cargo de confiança, para o qual foi nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que é o seu "chefe" e portanto quem decide se ele deve ou não permanecer no cargo. Por sua assessoria, o ministro informou que ainda não foi notificado da decisão. Na realidade, uma secretária do ministério assinou na terça-feira o ofício da comissão.

A reação de Lupi, que teve o apoio do PDT e das centrais sindicais, é inédito. O próprio Lula, ao assumir a presidência da República, abriu mão da presidência do Instituto da Cidadania. A ex-ministra Benedita da Silva reclamou ostensivamente da comissão, quando recebeu a recomendação de devolver aos cofres públicos o dinheiro de uma viagem feita a Buenos Aires para uma atividade particular. Mas reembolsou o Tesouro Nacional.

Há outros casos. Marco Aurélio Garcia deixou a assessoria internacional do Palácio do Planalto para assumir a presidência do PT e o comando da campanha de Lula, nas eleições de 2006. O ex-ministro José Dirceu doou para o programa Fome Zero um relógio Rolex que recebeu de um ex-presidente do PTB (era falso, mas foi trocado por um verdadeiro que teve o mesmo fim). Guido Mantega (Fazenda), recentemente se comprometeu com a comissão a não participar de qualquer ato, no ministério ou no Conselho Monetário Nacional, relacionado com a empresa na qual trabalha sua filha.

Mas Carlos Lupi denunciou a decisão da Comissão de Ética ao Palácio do Planalto. Disse que se tratava de "perseguição" do presidente em exercício da comissão, o ex-ministro da Fazenda Marcílio Marques Moreira, que foi nomeado conselheiro por Fernando Henrique Cardoso e reconduzido depois por Lula. Por um conflito de interesses, segundo Lupi.

O ministro contou que a empresa ABN do Brasil, na qual trabalha Marcílio, tem um contrato de R$ 5 milhões com o ministério para a confecção de carteiras de trabalho, e estaria insatisfeita com uma decisão do ministério para informatizar as carteiras do trabalho. Marcílio diz que se trata de um contrato de R$ 5 milhões, o que representa menos de 1% do faturamento da ABN, uma empresa, ressalta, que já fabrica 700 milhões de cartões inteligentes.

Lupi não está sozinho. O PDT, a Força Sindical, a União Geral dos Trabalhadores (UGT) e a Central Geral dos Trabalhadores (CGTB) o apoiaram. "Consideramos que a decisão da Comissão de Ética Pública está eivada de interesses políticos inconfessáveis", diz uma nota emitida pelas três centrais sindicais. "O Brasil esteve repleto de fatos em outras eras que mereceram uma grave intervenção da Comissão de Ética Pública: não me lembro de ter visto qualquer intervenção nesse sentido", discursou o líder pedetista na Câmara, Miro Teixeira (RJ).

O próprio Lupi chamou a atenção de dois outros casos no governo para demonstrar ao Palácio do Planalto que é vítima da "perseguição de Marcílio": Alfredo Nascimento, ministro dos Transportes, e Márcio Fortes, de Cidades, também dirigentes partidários. Na realidade, Nascimento abriu mão da presidência de honra do PR quando assumiu os Transportes e o cargo passou a ser exercido pelo governador de Mato Grosso, Blairo Maggi. De fato é Nascimento quem manda no PR, mas não exerceu nenhuma função no partido.

Ao saber da decisão sobre Lupi, o ministro de Cidades, Márcio Fortes, telefonou para Marcílio Marques Moreira para indagar sobre a própria situação - ele é vice-presidente do PP. Foi informado que não havia problema algum com a sua situação, por ele não exercer função executiva alguma no comando partidário.

Miro Teixeira, aliás, disse que a polêmica já havia sido resolvida pelo Judiciário, quando foi questionada a presença de Sérgio Motta no ministério de FHC e na direção do PSDB. Segundo Marcílio Marques Moreira, à época não existia o código de conduta, ao qual todo servidor se submete ao assumir uma função pública. "Você não pode servir a dois senhores - e um ministro de Estado precisa servir durante 24 horas a res pública", diz Marcílio. "O partido, por definição, é parte. São lógicas diferentes".

Marcílio reconhece que as questões de ética "são complexas, aquelas em que ambos tem razão". No direito privado, ao cidadão é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe. Mas no âmbito público, o ministro só pode fazer aquilo que a lei determina. "Todos os ministros e altas autoridades, ao assumir, têm que se comprometer com a código. Ele não é obrigado a ser ministro. Mas se aceita, tem de se submeter", diz.

Se Lupi insistir em ficar com os dois cargos, a comissão "poderá encaminhar sugestão de demissão à autoridade hierarquicamente superior". Ou seja, caberá a Lula arbitrar. Decisão que pode fortalecer ou diminuir a Comissão de Ética Pública.