Título: O SUS e as gestantes
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Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2011, Opinião, p. 22

Visão do Correio

Basta comparar o número de brasileiras que perderam a vida ao dar à luz ou por complicações pós-parto em 1996 com o de 2009 para se constatar que a tragédia da mortalidade materna é uma realidade que se mantém constante no país. Nesses 13 anos, os registros no Ministério da Saúde se mantiveram no patamar de 1,5 mil mortes anuais. Não é de se estranhar, portanto, que a falta de respeito e de atendimento adequado a essas pacientes seja prática cotidiana na rede pública de saúde, conforme acaba de constatar levantamento de duas das mais respeitadas instituições de ensino superior do país, a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade de São Paulo (USP).

Outro estudo, divulgado pelo IBGE em novembro, mostrou que, em 2009, de cada quatro grávidas no Brasil, uma teve de deixar a cidade em que residia para fazer o parto em outra. Imaginem-se os transtornos e a intranquilidade de uma mulher prenhe obrigada a ter o filho longe do lar, do amparo familiar e da sua rede de convivência social. É péssimo começo, em sentido oposto ao do mundialmente recomendado parto humanizado. Pois agora a UnB e a USP mostram que, quando finalmente chegam aos hospitais, essas pacientes, não raro, ainda são recebidas com desrespeito, humilhação e até maus-tratos. Ou seja: faltam mais que infraestrutura e recursos humanos suficientes. Falta qualidade ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Há relatos de privação do choro e de proibição da presença do acompanhante durante o parto. Isolada e desamparada, a mãe fica mais suscetível a desenvolver ou ter agravado um quadro de depressão que já é comum (ocorre em 40% dos casos) no delicado momento em que dá à luz. A insegurança costuma ser ampliada pela ausência de pediatra no centro cirúrgico ¿ ou de UTI neonatal. Aliás, todo o sistema parece conspirar para desestabilizar emocionalmente as grávidas dependentes do SUS. Consultas remarcadas com frequência excepcional ou que atrasam por horas são um desestímulo ao pré-natal. Outro, a rotatividade dos profissionais, o que compromete o bom acompanhamento da gestação.

A situação ajuda a explicar mais uma estatística vergonhosa para o país: a de que 71% das mortes de bebês poderiam ser evitadas. Como? Com atendimento decente à gestante e ao recém-nascido, o que vai dos cuidados com a gestante ao parto, de diagnósticos corretos a tratamento eficiente da mãe e da criança. O dado é do próprio Ministério da Saúde. Segundo o órgão, apenas com assistência adequada às mães seria possível reduzir esses óbitos em 13%. Portanto, quando se pensa que poupar uma vida já vale o esforço, sobra estarrecimento diante da conjuntura revelada pela UnB e a USP.

Mas resta um fio de esperança: o de que saia da retórica para o plano da realidade a promessa da então candidata Dilma Rousseff de assegurar pré-natal, neonatal e atendimento especializado à criança no primeiro ano de vida. Mais que bem-vinda, a Rede Cegonha é uma necessidade de primeira hora. Se elaborada e implantada com os devidos zelo e ousadia, poderá ajudar o país a, se não cumprir, pelo menos se aproximar de um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio pactuados com a ONU, de reduzir para 35, nos próximos cinco anos, a taxa de mortalidade materna para cada 100 mil nascidos vivos. Vai ser difícil ¿ em 2007, a taxa ainda era de 75.