Título: A nova fronteira brasileira do petróleo
Autor: Aragão , Alexandre S.
Fonte: Valor Econômico, 17/12/2007, Legislação & Tributos, p. E2

Conforme noticiado nos canais de comunicação nas últimas semanas, após a recente confirmação, pela Petrobras, da descoberta de um reservatório de petróleo e gás natural de grandes proporções na Bacia de Campos - denominado de Tupi -, o governo federal vem estudando formas de majorar as participações governamentais incidentes sobre a atividade de pesquisa e lavra destes hidrocarbonetos. Neste momento, parece-nos relevante tecer algumas considerações sobre os instrumentos jurídicos apropriados para tanto.

De acordo com a Constituição Federal, os recursos minerais em geral, bem como quaisquer recursos naturais encontrados na plataforma continental, de acordo com o artigo 20, são bens da União, constituindo seu monopólio "a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos" (artigo 177). Mas a Constituição também prevê expressamente que, nos termos da lei, será assegurada aos Estados, ao Distrito Federal e aos municípios "participação no resultado na exploração de petróleo ou gás natural", conforme o parágrafo 1º do artigo 20.

Assim, a Constituição Federal determina, no jargão jurídico, uma reserva de lei formal no que diz respeito à garantia de participação na exploração de petróleo e gás natural, pois faz, como visto, referência expressa ao tratamento desta matéria por lei. Como a garantia da participação pressupõe a determinação das parcelas a que cada membro da federação tem direito, parece-nos que a fixação dos critérios de distribuição das receitas oriundas das participações governamentais incidentes sobre a pesquisa e lavra de petróleo e gás natural também é objeto da reserva de lei prevista constitucionalmente.

Daí se depreende, a nosso ver, que não poderia o presidente da República, por meio de um decreto, criar instrumentos de participação no resultado ou critérios para a distribuição dos mesmos a Estados, Distrito Federal e municípios. A competência legislativa para a edição de lei sobre a matéria é do Legislativo federal, a qual foi concretizada através da Lei federal nº 7.990, de 1989, que institui, para os Estados, Distrito Federal e municípios, uma compensação financeira pelo resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica, de recursos minerais, bem como pela Lei federal nº 9.478, de 1998 - a conhecida Lei do Petróleo. Em ambas as leis, encontram-se claramente definidos os percentuais de repartição dos recursos oriundos das participações governamentais entre União, Estados, Distrito Federal e municípios.

-------------------------------------------------------------------------------- A Constituição Federal determina uma reserva de lei formal sobre a participação na exploração de petróleo --------------------------------------------------------------------------------

O mesmo ocorre com relação à criação das participações governamentais. Sobre o tema, ou seja, sobre as espécies de participações existentes, o parágrafo primeiro do artigo 177, com redação atual conferida pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995, prevê que uma lei deverá estabelecer as condições para contratação, pela União, de empresas privadas ou públicas para a realização de atividades de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos. Dentre estas condições, obviamente, inserem-se quais as parcelas devidas pelo particular em contrapartida à exploração do recurso natural.

Por outro lado, o mesmo raciocínio não pode ser utilizado, a nosso ver, com relação à determinação dos critérios de cálculo dessas participações. A regra, com efeito, é a reserva relativa e, em não havendo previsão constitucional específica, poderá o Executivo, desde que autorizado por lei, dispor sobre o assunto. É o que ocorre, por exemplo, com os critérios de cálculo dos royalties, em parte já previstos no artigo 47 da Lei do Petróleo, mas melhor explicitados no Decreto nº 2.705, de 1998, que regulamenta a matéria, sem, contudo, contrariar o já disposto na lei. Outro exemplo diz respeito à definição dos critérios de pagamento das participações especiais. Muito embora a Lei nº 9.478 trate dos aspectos gerais desta receita, remete a regulamento, em seu artigo 50, a determinação dos critérios de cálculo dessas participações.

Assim, a alteração dos critérios atualmente previstos para o cálculo das participações governamentais poderá, a depender do caso, ser objeto de decreto presidencial, mas respeitados os limites que já tenham sido previstos em lei e as regras e princípios constitucionais pertinentes. No caso das participações especiais, como visto, a liberdade do presidente para dispor sobre o assunto será ampla, já que a Lei nº 9.478 remete a regulamento a determinação dos critérios para o seu cálculo. Por outro lado, os valores dos royalties já são parcialmente fixados na Lei do Petróleo, sendo devidos na proporção de 5% a 10% da produção de petróleo ou gás natural, conforme o que a Agência Nacional do Petróleo (ANP) vier a estabelecer em cada edital de licitação. Para alterar estes limites seria necessária a edição de um ato normativo de mesma hierarquia, já que um decreto ou resolução da agência reguladora não podem revogar o texto legal.

Em qualquer hipótese, sempre deverão ser respeitados os percentuais existentes quando da abertura da licitação dos contratos já em vigor, ainda que versem sobre a área Tupi, já que a concessão de petróleo é um contrato essencialmente aleatório e de risco, que pode gerar uma descoberta excelente ou nenhuma descoberta. O particular paga ao Estado apenas pelo direito de tentar encontrar alguma reserva. Se não encontrá-la também não tem o direito de pedir a restituição desse valor.

Por fim, com relação aos critérios de repartição dessas receitas entre órgãos e estes estatais, apenas a lei federal poderá dispor sobre o assunto, em virtude da reserva de lei formal prevista na Constituição Federal e ao fato de a Lei do Petróleo já disciplinar a matéria de forma exaustiva.

Alexandre Santos de Aragão é professor de direito administrativo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em direito do Estado pela Universidade de São Paulo (USP)

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