Título: Sojicultores brasileiros temem expropriação na
Autor: Souza , Marcos de Moura
Fonte: Valor Econômico, 11/12/2007, Internacional, p. A10

Produtores brasileiros de soja radicados na Bolívia reagiram ontem com apreensão à decisão da Assembléia Constituinte de submeter a referendo popular uma nova legislação sobre as terras que poderão ser expropriadas no país.

No fim de semana, numa reunião quase secreta, constituintes governistas aprovaram 410 artigos da Constituição apoiada pelo governo do presidente Evo Morales. Somente o artigo que tratava da questão dos latifúndios não obteve os dois terços dos votos - mínimo para a aprovação. Duas propostas estavam em jogo: uma que permite que só venham a existir propriedades com até 10 mil hectares, e outra, com 5 mil hectares. Para resolver o impasse, os constituintes decidiram que o assunto será levado a consulta popular, o que o governo pretende fazer em três meses.

"Sem dúvida nenhuma, o referendo vai afetar os produtores brasileiros. Essa é uma medida dirigida principalmente contra os produtores estrangeiros", afirmou ao Valor Nilson Medina, que diz cultivar 7 mil hectares de soja por semestre nas terras que possui na região de Santa Cruz.

Medina, que está há 16 anos no país, diz que há um sentimento claro, por parte de segmentos políticos aliados ao governo, de antipatia ao grande produtor. "Na semana passada, um líder camponês disse em um evento no qual Evo estava presente que as terras pertencentes a estrangeiros serão tomadas, a começar pelas terras dos brasileiros".

Outro brasileiro grande produtor de soja no país também demonstrou pessimismo em relação ao desfecho do referendo sobre terras. "Acho que há uma antipatia em relação a tudo o que é privado. Portanto, tudo o que é privado corre risco agora", diz Raul Amaral Campos Filho, presidente da Fundacruz, entidade de que reúne produtores rurais em Santa Cruz.

"Com a situação que o país vive atualmente, esse referendo pode sim ser um problema sério para nós." Caso, os bolivianos (a maioria da população é indígena) venham a limitar as áreas privadas de terra a 5 mil hectares, Campos Filho corre o risco de ter a metade de suas terras em Santa Cruz expropriada.

Cerca de 300 brasileiros cultivam soja na Bolívia, segundo Medina. Quarenta por cento do total de soja produzido no país saem de suas terras. O setor é um dos mais importantes para a economia boliviana, representando uma fatia de 9% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Segundo Medina, só os sojicultores brasileiros garantem 4% do PIB.

A Constituição aprovada entre o sábado e o domingo na cidade de Oruro por uma maioria constituída por constituintes do Movimento ao Socialismo (MAS), partido de Morales, manifesta respeito à propriedade privada desde que esta obedeça aos critérios - ainda difusos - de função social. O texto também institui outras formas de propriedade: a mista e a coletiva.

"O que o governo quer é distribuir as terras do país de maneira eqüitativa entre os camponeses. Mas não leva em conta que os atuais produtores geram serviços em toda uma cadeia produtiva", queixa-se Juan Carlos Quevedo, gerente-geral da Unisoya, entidade de Santa Cruz que reúne os produtores brasileiros e bolivianos do país.