Título: Cristina assume e promete manter modelo argentino
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Fonte: Valor Econômico, 11/12/2007, Internacional, p. A10

Cristina Fernández de Kirchner tomou posse como presidente da Argentina ontem à tarde prometendo manter o "modelo de acumulação com inclusão social", ampliar a inserção da Argentina no mundo e reforçar a qualidade institucional do país. Trajando um vestido branco rendado, ela recebeu a faixa presidencial das mãos de seu marido, o agora ex-presidente Néstor Kirchner, que visivelmente se esforçou para não chorar de emoção.

Seu discurso de posse durou 50 minutos. Ela deixou claro que seu governo será de continuidade nos campos social, político e de direitos humanos. Cristina prometeu uma reforma do judiciário, sobre a qual praticamente não deu detalhes. Na área econômica, reafirmou que pretende impulsionar "uma nova matriz diversificada, com inclusão social, baseada no trabalho, na indústria, nas exportações e no campo". Em um sinal para as empresas, afirmou que não vai policiar a rentabilidade dos empresários nem administrar conflitos internos sindicais ou políticos.

No campo da política externa, Cristina defendeu a entrada "imediata" da Venezuela no Mercosul, para solucionar a "equação energética" que preocupa a todos os países da região. E, como de praxe entre os presidentes argentinos, reivindicou a soberania sobre as ilhas Malvinas, controlada pelo Reino Unido.

Presidentes de quase todos os países da América do Sul estavam presentes, inclusive o do Uruguai, Tabaré Vázquez, que ficou apenas quatro horas em Buenos Aires e só participou da cerimônia no Congresso - houve festa para os chefes de Estado também no domingo à noite, no Palácio San Martin, sede da chancelaria.

A Argentina e o Uruguai mantêm um contencioso, sobre a construção de uma fábrica de polpa de celulose às margens do Rio Uruguai, que azedou completamente a relação entre os dois países. Para se ter uma idéia, a embaixada do Uruguai em Buenos Aires está há dias cercada com tapumes de ferro e guardada por policiais dia e noite para evitar ataques dos argentinos, que eram contra a construção da fábrica, da finlandesa Botnia.

A disputa com o Uruguai mereceu parte do discurso da nova presidente. Ela reafirmou que o vizinho violou o Tratado do Rio Uruguai e que, por isso, a Argentina abriu queixa na Justiça internacional. Frisou, porém, dirigindo-se diretamente a Tabaré Vázquez, que o Uruguai não vai ter "um só gesto que aprofunde as diferenças que temos".

A festa organizada pela presidência foi digna da ocasião. Todas as principais ruas do centro de Buenos Aires ao redor da Casa Rosada foram fechadas ao trânsito. Houve show de música popular com vários artistas, entre eles Mercedes Sosa, e uma chuva de papel picado caía sobre os carros oficiais no traslado entre o Congresso - onde Cristina fez seu juramento ao lado do vice-presidente Julio Cobos e de Kirchner - e a Casa Rosada, onde deu posse aos ministros.

Afinal, foi a primeira vez em cinco anos na Argentina que um presidente cumpriu seu mandato até o final e passou o posto para outro que ganhou a eleição por maioria dos votos. A transição tranqüila deixou mais distante aquele ano de 2002 em que o país teve cinco presidentes em apenas um mês, a população enfurecida estava nas ruas batendo panelas e um presidente foi eleito com apenas 22% dos votos.