Título: O "novo" Obama
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 27/01/2011, Mundo, p. 24

No discurso sobre o Estado da União, presidente dos EUA anuncia congelamento de gastos e acena aos republicanos

Uma mão estendida aos republicanos ¿ mas nem tanto. Como esperado, o presidente norte-americano Barack Obama usou o discurso do Estado da União, na noite da terça-feira, para mostrar sua disposição em abrir espaço a um diálogo entre governo e oposição na segunda metade de seu mandato, mas não deixou de citar a responsabilidade do governo federal em assumir compromissos como a reforma da imigração e a educação ¿ temas rejeitados pelos adversários. O presidente foi elogiado por abordar a necessidade de garantir a competitividade americana e de cortes no governo, e por evocar, o tempo inteiro, uma união entre republicanos e democratas, que, pela primeira vez, sentaram-se lado a lado nesse tipo de sessão. Obama ainda aproveitou o momento para assegurar que viajará ao Brasil, ao Chile e a El Salvador em março deste ano, países com os quais quer ¿fomentar novas alianças¿.

O mandatário, que apresentou em mais de uma hora de discurso a postura segura de sempre, anunciou um plano para congelar por cinco anos os gastos não relacionados à segurança, uma medida que visa combater o gigantesco deficit norte-americano. Entre os cortes previstos, estão salários de empregados federais ¿ tudo para reduzir o déficit em mais de US$ 400 bilhões na próxima década. ¿Estou disposto a eliminar tudo o que podemos honestamente viver sem. Mas vamos nos certificar de que não estamos fazendo isso nos ombros dos nossos cidadãos mais vulneráveis¿, disse.

Por outro lado, Obama pediu à oposição, que hoje tem maioria na Câmara e uma boa parte do Senado, que apoiasse o investimento em educação, inovação e infraestrutura. Segundo ele, é preciso dar um maior impulso à inovação nos Estados Unidos, considerando a emergência de novos atores, como Índia e China, que tornaram o mundo mais competitivo. ¿Este é o momento Sputnik da nossa geração¿, disse, no Capitólio ¿ referindo-se ao momento da corrida espacial no qual os americanos estavam claramente atrás da então União Soviética e decidiram esforçar-se para correr atrás do prejuízo. O presidente ainda evocou a necessidade de investir em energia limpa, deixando, inclusive, de apoiar as grandes empresas petroleiras. No campo internacional, Obama pediu à Coreia do Norte que desista de ter um arsenal nuclear e elogiou a pressão das potências mundiais sobre o Irã por conta de seu programa nuclear.

Pronto para ouvir Para o especialista Ray Walser, do think tank conservador Fundação Heritage, Obama quis mostrar que está ¿pronto para ouvir¿ e que vai assumir uma posição mais centrista, enquanto se prepara para a corrida presidencial de 2012. ¿O discurso representa uma mão estendida para a maioria republicana e o reconhecimento dos pontos de debate centrais na política americana ¿ emprego, concorrência, inovação, liderança global¿, avalia. ¿Mas parece que o presidente não foi suficientemente além na questão do deficit. Muitos temem que a defesa que ele fez dos investimentos apoiados pelo governo federal sejam mais uma forma de se engajar em uma despesa direcionada ao Estado.¿

Por sua vez, o cientista político John Aldrich, da Duke University, destaca o ¿cuidado¿ de Obama ao incluir sempre detalhes sobre propostas republicanas nas partes mais importantes do seu discurso. ¿Isso se refletiu nos vários aplausos que recebeu do presidente da Câmara, John Boehner, e dos demais republicanos¿, observa. ¿A maior parte do discurso foi sobre prosperidade e, mesmo quando ele fez um apelo a algo que só favorece os democratas, foi num contexto de fazer a América melhor¿, elogia Aldrich.

No discurso de resposta da oposição, o republicano Paul Ryan, presidente do Comitê de Orçamento da Câmara, defendeu o começo imediato dos cortes de gastos: ¿Nosso país está se aproximando de um ponto de inflexão. Estamos em um momento onde, se o governo cresce sem controle e sem contestação, o melhor século da América será o passado.¿

Boeing retoma contato Otimista com a possibilidade de uma reviravolta na concorrência F-X2, que definirá a compra de 36 caças para a Força Aérea Brasileira (FAB), a empresa norte-americana Boeing já começou o trabalho de aproximação com o governo Dilma. Nesta semana, o vice-presidente da empresa para desenvolvimento de negócios nas Américas, Europa e Israel, Joe McAndrew, veio ao Brasil para retomar os contatos com altos militares da FAB e com empresários de São Paulo. Durante passagem pela capital, ele trouxe mais uma vez a mensagem de que os Estados Unidos estão, de fato, dispostos a transferir tecnologia para o Brasil. McAndrew garantiu que não há qualquer risco de que essa decisão seja revertida.

Segundo ele, isso ficou evidente na decisão do Congresso americano de autorizar a venda dos caças ao Brasil, em setembro de 2009, sem que a compra tivesse sido definida ¿ uma postura rara, já que essa autorização geralmente só é feita um mês antes da assinatura do contrato. O executivo da Boeing também destacou o fato de a autorização ter resistido aos desentendimentos mais recentes entre o Brasil e os Estados Unidos, como na questão do programa nuclear do Irã. ¿Mesmo com essas divergências, o Congresso dos EUA não ameaçou retirar ou embargar a autorização¿, disse ao Correio.

McAndrew considera que a visita dos senadores republicanos John McCain e John Barrasso, no início do mandato de Dilma Rousseff, ajuda a reforçar o compromisso dos parlamentares, inclusive da oposição, com a oferta de transferência de tecnologia do governo Obama. E a visita do próprio Obama ao Brasil, anunciada para março deste ano, é vista com ainda mais otimismo pelo representante da Boeing. ¿É um sinal muito positivo de que a relação bilateral está ficando mais forte¿, afirma McAndrew. A expectativa do executivo é de que a compra dos caças seja um dos temas principais debatidos no encontro entre Obama e Dilma.

O novo governo pediu aos três concorrentes ¿ Boeing, a francesa Dassault e a sueca Saab ¿ que confirmem as propostas e os preços ofertados durante o mandato de Lula. A Boeing, no entanto, declarou já estar estudando uma forma de tornar a proposta mais atraente, o que pode significar, inclusive, uma redução no preço da oferta. McAndrew, contudo, não consegue disfarçar a esperança que veio com o adiamento da decisão para o fim deste ano. ¿Acreditamos que a presidente Dilma vai olhar de uma forma bastante analítica para essas aeronaves, considerando cada plataforma, preço, capacidade e riscos. Acreditamos que o Super Hornet será a escolha lógica.¿ (IF)

Republicanos não se entendem A decisão da deputada republicana pelo Minnesota Michele Bachmann (foto) de apresentar, excepcionalmente, uma segunda ¿resposta¿ da oposição ao discurso do Estado União feito pelo presidente ¿ no seu caso, em nome do movimento ultraconservador Tea Party ¿ acabou demonstrando as divergências entre os adversários de Barack Obama. Enquanto o deputado pelo Wisconsin Paul Ryan, que falou oficialmente em nome do Partido Republicano, usou um tom mais conciliador para comentar a fala do presidente, a representante ultraconservadora não poupou a retórica mais agressiva. O discurso de Bachmann foi transmitido ao vivo pela TV CNN. Os próprios colegas de oposição minimizaram a ação visivelmente isolada da congressista. O presidente da Câmara dos Deputados, John Boehner, por exemplo, disse não ter assistido ao pronunciamento da deputada. ¿Tinha outras obrigações¿, justificou. Bachmann, por sua vez, deixou claro, em seu discurso, que não pretendia competir com as declarações oficiais republicanas. ¿O Tea Party é uma força dinâmica (que trabalha) para o bem do nosso diálogo nacional¿, disse a deputada.