Título: Senado resiste às concessões de Lula
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Fonte: Valor Econômico, 13/12/2007, Política, p. A10

Depois de fracassar na tentativa de conseguir, por intermédio dos governadores tucanos, votos na bancada no PSDB do Senado a favor da prorrogação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva formalizou por meio de carta uma proposta aos senadores para tentar aprovar o imposto. Pela proposta, os recursos da CPMF seriam totalmente destinados à Saúde, progressivamente, até 2010.

A carta do presidente, dirigida ao presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), acompanhada de comunicado conjunto dos ministros Guido Mantega (Fazenda) e José Múcio Monteiro (Relações Institucionais), foi lida pelo líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR). Após a leitura, Jucá pediu que a discussão fosse encerrada e a votação, transferida para esta quinta-feira.

A oposição negou o pedido e até às 23 horas, insistia em realizar a votação. "A essa altura meu partido não tem a menor condição de recuar da posição que tomou", disse o líder do DEM, José Agripino (RN), cujo partido fechou questão contra a prorrogação da CPMF. O líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM), disse que recebia com "máxima reverência" a carta de Lula e que seu partido concordaria em abrir imediato processo de negociação com o governo, mas sem adiar a votação.

Era a sinalização do que seria uma das maiores derrotas do governo no Congresso. A bancada do PSDB no Senado resistiu às pressões dos governadores do seu partido e rejeitou todas as tentativas de negociação feitas de última hora pelo governo. No início da noite, já admitindo derrota, Jucá chegou a pedir ao PSDB apoio para, ao menos, preserva a Desvinculação das Receitas da União (DRU), prorrogada na mesma PEC.

"O governo opta pela prepotência, opta por imaginar que há uma hierarquia e que, a partir dela, senador obedece ao que diz governador. Eu quero respeitar os meus governadores sempre, mas jamais abrirei mão da autonomia da minha bancada, enquanto líder dela for", afirmou o líder do PSDB, Arthur Virgílio (AM). Não foi uma decisão fácil. Em reuniões tensas, o PSDB ficou dividido. Mas os 13 senadores decidiram votar juntos. Até às 20h30, não havia previsão do horário da votação. Àquela altura, havia, ainda, 18 senadores inscritos para falar.

A posição irredutível da bancada tucana sinalizava que o Palácio do Planalto estava prestes a sofrer uma de suas maiores derrotas no Congresso. O governo precisava aprovar ontem a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) em primeiro turno. Do contrário, não haveria tempo hábil para a realização do segundo turno antes do recesso legislativo, que começa no dia 22.

A CPMF será extinta em 31 de dezembro. Sem a prorrogação, se quiser manter os cerca de R$ 40 bilhões arrecadados, o governo teria de encaminhar outra PEC no início da próxima sessão legislativa, em fevereiro, recriando o imposto. Nesse caso, a cobrança só poderia ser iniciada três meses após a aprovação da nova PEC, por causa do princípio constitucional da noventena.

"O governo está preparado para perder", admitiu o líder do governo, Romero Jucá (PMDB-RR), por volta de 19h, durante a sessão em que seria votada a Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Jucá participou de inúmeras conversas no Planalto e no Senado, com o PSDB. Até aquele momento, o governo não havia conseguido conquistar votos na oposição nem mudar a posição dos sete senadores da base aliada que prometiam votar contra. Mesmo assim, havia clima de incerteza no ar, e reservadamente, governistas manifestavam confiança na vitória.

"O governo não jogou a toalha. Vamos continuar lutando para ter os 49 votos necessários à aprovação da PEC. O governo vai pro tudo ou nada", disse Jucá. Ele não descartava que até a hora da votação apareceria nova proposta. Mas já fazia previsões pessimistas.

"A bomba vai cair no colo dos governadores, dos prefeitos de capital", disse. Argumentava que, sem os recursos da CPMF, o governo teria de remanejar recursos do orçamento, penalizando alguns setores da economia formal. Mesmo assim, o pemedebista afirmou que não havia ainda decisão no governo sobre o envio ou não de uma PEC propondo a recriação da CPMF.

-------------------------------------------------------------------------------- Depois de inviabilizar a reconquista do voto de sete governistas, Planalto ficou dependente do PSDB --------------------------------------------------------------------------------

No Planalto, o ministro da coordenação política, José Múcio Monteiro, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, acompanharam juntos os debates e a votação da matéria. Mas até às 20 horas, nenhum governista arriscava prognóstico, embora o discurso em relação a uma eventual derrota já estivesse ensaiado. "Fizemos tudo o que podíamos fazer, oferecemos tudo. Tudo o que pediram para o governo ceder, o governo cedeu", confirmou um assessor que acompanhou de perto as conversas políticas.

O líder do PSB, Renato Casagrande (ES), criticou a condução das negociações. "O governo errou em muitas coisas. Para começar, faltou nosso principal jogador - Lula - entrar em campo, conversar com senadores. Também tem erro da oposição. Parte do PSDB optou pelo cenário do quanto pior, melhor", disse.

Na tentativa de garantir os 49 votos mínimos exigidos para aprovação da PEC (três quintos dos 81 senadores), duas propostas foram discutidas por Jucá com os tucanos - embora os senadores do PSDB dissessem que nenhuma delas havia sido formalizada até então. São elas: aplicar todos os recursos arrecadados com a CPMF na área da saúde, gradualmente, até 2010, ou prorrogar por apenas um ano - e não quatro, como prevê a PEC - a contribuição, que será extinta em 31 de dezembro. Nesse segundo caso, a proposta previa a aprovação de uma reforma tributária nesse período.

Nenhuma das propostas, entretanto, previa alteração no texto, para evitar retorno à Câmara. "Todas as medidas seriam tomadas depois da aprovação da PEC. O acordo seria no fio do bigode", afirmou Jucá. Os tucanos deixaram claro que não acreditam na palavra do governo. "Ficou clara na bancada a falta de credibilidade do governo", afirmou a senadora Marisa Serrano (PSDB-MS).

Nos últimos dias, os senadores do PSDB sofreram intensa pressão dos governadores do partido, principalmente José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), para que aprovassem a prorrogação da CPMF. Defendiam especialmente a destinação de toda a arrecadação para a saúde. Além dos telefonemas dos governadores a vários senadores, assessores técnicos dos governos estaduais foram enviados a Brasília, para apresentar, com cálculos, o aumento dos recursos para a área da saúde.

Depois de uma terça intensa, repleta de reuniões e tentativas de acordo, o governo permaneceu em completo silêncio na quarta, sem dar pistas de votos, avanços ou recuos nas conversas com o PSDB. O Planalto temia que expor as conversas e possíveis medidas em discussão complicassem ainda mais um cenário por si só delicado.

Quando a votação começou a ser encaminhada no plenário do Senado, os articuladores políticos do governo continuavam negociando. O ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci, esteve no gabinete de José Múcio ao longo do dia e conversou também com o presidente Lula. Antes do encontro com os tucanos, no início da tarde, o líder do governo teve um longo encontro com Múcio. Para o público externo, silêncio. "Novidades, só pelo Congresso", tentou despistar um assessor governista.

O secretário de Saúde de Minas Gerais, Marcus Pestana, afirmou que não consegue imaginar o setor sem os R$ 24 bilhões originários do imposto. "Neste momento, estamos entre a porta do céu e a porta do inferno. O momento é extremamente grave. Não consigo imaginar a saúde sem a CPMF", disse Pestana.

O secretário informou que o montante do recurso destinado para gastos do setor no estado é em torno de 10%, cerca de R$ 2,4 bilhões. Pestana reafirmou Aécio Neves defende a prorrogação da contribuição e disse que o PSDB tem compromisso com o Sistema Único de Saúde (SUS), porque foi um dos partidos que ajudou a criar o sistema. "O PSDB não aposta no quanto pior melhor. Essa contradição é legítima. Não é uma casca de banana que jogamos para o governo", disse o secretário.