Título: Negociação abala prestígio de Mantega
Autor: Costa , Raymundo ; Safatle , Claudia
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2007, Política, p. A11

O processo de negociação e votação da CPMF abalou o prestígio de Guido Mantega no Palácio do Planalto, onde se considera que o ministro da Fazenda "meteu os pés pelas mãos" e colocou em risco a aprovação do imposto do cheque. Nem mesmo a demissão do ministro é descartada, na hipótese, improvável, de a emenda ser rejeitada pelo Senado.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva considera a CPMF a "votação mais importante dos próximos três anos". Foi dele a decisão de só votar o projeto quando o governo tiver maioria assegurada para aprová-lo. Não importa se até o fim deste ano, o que seria preferível, ou em 2008, sujeitando-se a perder alguns meses de arrecadação do tributo.

O Palácio do Planalto distribuiu tarefas para a negociação e votação da CPMF no Senado. A Mantega cabia fazer jogo duro com a oposição, mas sem queimar pontes, e levar as negociações discretamente. O ministro fez tudo ao contrário: distribuiu ameaças e partiu para uma conversa pública com o PSDB, que melindrou os aliados sem cooptar os tucanos, por outro lado.

Nesse processo, Mantega perdeu espaço para o deputado e ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, chamado às pressas, nos últimos dias, para ser interlocutor, além do próprio Lula, com governadores como José Serra e Aécio Neves, e com a Fiesp, onde foi montado o que no governo se chama de "bunker anti-CPMF". Palocci, conforme relato de uma fone do Palácio do Planalto, passou a ter mais importância que o ministro da Fazenda nas negociações.

Avalia-se que Mantega errou ao eleger Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do estado de São Paulo, como alvo prioritário, o que só serviu para ampliar o espaço do empresário nos meios de comunicação. Palocci trabalha nos bastidores da Fiesp, com mais resultados, segundo se acredita no governo.

Já na área política próxima ao núcleo decisório do Palácio do Planalto, avalia-se que o erro foi coletivo. Lula teria sido excessivamente confiante numa aprovação mais ou menos fácil do imposto do cheque. No Senado, disputas individuais como a que envolveria a líder do PT, Ideli Salvatti (PT-SC), e Aloizio Mercadante (PT-SP) também teriam contribuído para aumentar as dificuldades enfrentadas pelo governo federal.

Perder a CPMF e a DRU poderia ser a causa do primeiro grande "stress" dos mercados no governo Lula, segundo a avaliação corrente entre os ministros.

Em vez de ameaçar com cortes nos gastos do Bolsa Família e nos demais investimentos, o Palácio do Planalto considera que o ministro da Fazenda deveria ter usado argumentos mais sólidos, como o próprio risco de comprometer a estabilidade econômica tão duramente conquistada, na medida em que a política fiscal - um dos tripés da macroeconomia - sairia mais frágil com a perda da CPMF e da DRU.

Os problemas para negociar e votar a CPMF levaram o próprio Lula a reavaliar suas considerações sobre o segundo mandato. O presidente sempre disse que iria romper a idéia segundo a qual o segundo mandato tende a ser pior que o primeiro. Ele também achava que seria fácil administrar até 2010. Mudou de idéia.

Prova disso é o fato que antecipou a volta de Buenos Aires, onde esteve no início da semana para a posse da presidenta da Argentina, Cristina Kirchner. Avalia também a possibilidade de não ir a Bolívia no dia 17, conforme prevê sua agenda, se for necessária sua presença em Brasília para desatar algum nó relativo à aprovação, em caráter definitivo, da CPMF.

Salvar a "votação mais importante dos próximos três anos" é o que levou o presidente, também, a procurar o governador de Brasília, José Roberto Arruda, e tentar virar o voto de algum senador do Democratas. Isso, menos de uma semana depois de ter chamado o partido pelo antigo nome de PFL e classificado de "sonegador" quem era contra a CPMF. Como o DEM.

Além da CPMF, dois outros problemas deixaram evidente a Lula que o segundo mandato não será tão fácil como o presidente imaginava. Um deles, mais antigo, é a relação do governo com uma parte dos movimentos sociais, especialmente com o MST, que tem feito cobranças não esperadas por Lula. Outro, é a relação com a Igreja Católica.

Já há algum tempo o Palácio do Planalto e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ensaiavam uma reaproximação. O chefe de gabinete do presidente, Gilberto Carvalho, foi a Roma para a sagração de dom Odílio Scherer como cardeal, num gesto em direção aos católicos. O clima esfriou quando Lula deu às mãos ao bispo Edir Macedo, no lançamento da "Record News".

Nos últimos dias, a tensão se aprofundou com a nova greve de fome do bispo franciscano Luiz Flávio Cappio em protesto contra a execução do projeto de transposição das águas do rio São Francisco. A CNBB, que acumulou uma série de demandas - da distribuição de preservativos à questão do aborto - com o governo, neste ano, apoiou a iniciativa do bispo em nota oficial da entidade. Argumenta que o governo não discutiu, como prometera ao bispo, o projeto de transposição.

O problema com o MST ocorreu há um mês, em reunião de Lula com dirigentes sem-terra na Granja do Torto. Foi um encontro tenso. Os sem-terra, falando em nome dos movimentos sociais, cobraram promessas antigas de Lula. O presidente respondia que seu governo estava fazendo mais do que os outros, no que era contestado.

Ao perceber a insatisfação do MST, Lula virou-se para o ministro Luiz Dulci (Secretaria Geral) e alegou que não sabia dos problemas levados para a reunião. Os sem-terra disseram que desde o início do ano tentavam, sem sucesso, falar com Lula.

Em meio à reunião - cujo conteúdo tenso foi depois minimizado pelo próprio MST - o presidente argumentou que seu governo convivia com setores à esquerda e à direita quando foi interrompido por um sem-terra: "Quem é de esquerda nesse governo"? Lula não deixou por menos e, numa demonstração de seu estado de espírito, apressou-se a responder: "O Meirelles". Referia-se a Henrique Meirelles, presidente do Banco Central, tido como a expressão máxima do conservadorismo no governo.