Título: Dubai investe no luxo para ter turistas de todo o mundo
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2007, Especial, p. A18

O hall de entrada do resort Madinat Al-Qasar, que em árabe significa "Palácio", é decorado com sete imensos lustres de cristais Swarovski. Com a calma de quem repete a mesma história mais de dez vezes ao dia, a guia explica que os lustres custaram US$ 500 milhões. Esta é uma das excentricidades de Dubai, a cidade mais pop do Oriente Médio. Governado pelo xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum - que está construindo para si um palácio "inspirado" em Versalhes - o cosmopolita emirado, onde convivem 150 nacionalidades, coleciona uma série de superlativos.

Até o fim de novembro haviam sido construídos 160 andares do Burj Dubai, o prédio mais alto do mundo. Os engenheiros da Emmar, incorporadora responsável pelo projeto, não revelam nem sob tortura o tamanho final da torre, pois sempre poderão acrescentar um andar ou dois se forem ultrapassados. No interior do Burj Al-Arab - o hotel em formato de veleiro que é cartão-postal de Dubai -, 1.599 metros quadrados de pisos e paredes foram banhados a ouro. No Mall of Emirates, um imenso shopping center, o visitante deixa o calor do deserto para entrar em uma estação de esqui. Entre as ilhas artificiais, os projetos mais conhecidos são a "Palmeira Jumeirah", que imita a árvore tropical, e as "World Islands", que copiam o formato do mapa-múndi. Nesse projeto, é possível comprar, por exemplo, o Brasil, mas o preço é salgado.

À primeira vista, esta Disneylândia das Arábias parece capricho de governantes excêntricos que não sabem o que fazer com seus petrodólares. Na verdade, contudo, trata-se de uma cuidadosa estratégia de marketing para convencer turistas de todo o mundo a passarem suas férias em uma cidade no meio deserto, onde faz 50 graus no verão. "Com esses projetos, aumenta o prestígio e o mundo presta atenção em Dubai. Todos querem estar aqui. E é isso que atrai turismo e investimentos", diz Hamad Mohammed bin Mejern, diretor do Departamento de Turismo e Comércio do emirado. Em 2005, o PIB de Dubai atingiu US$ 37 bilhões, com crescimento médio de 10% ao ano na última década.

Desta maneira extravagante, o xeque Al-Makotum está conseguindo a proeza de diversificar a economia de Dubai, cuja população, em 1950, era em sua maior parte nômade e não ultrapassava 6 mil pessoas. Há menos de 45 anos, não havia eletricidade ou água potável e foi apenas em 1967 que descobriram petróleo no que na época era um fim de mundo. Com a pujança econômica trazida pelo ouro negro, veio também a independência política. A dominação britânica, que durava 250 anos, terminou em 1971, quando foram fundados os Emirados Árabes Unidos, federação de sete Estados-membros. Hoje vivem em Dubai 1,5 milhão de pessoas.

As estimativas são confusas, mas é provável que as reservas de petróleo de Dubai, que, ao contrário dos vizinhos, nunca foram abundantes, terminem em pouco mais de uma década. O emirado produz 240 mil barris de petróleo por dia, o que significa menos de 10% da produção dos Emirados Árabes Unidos. Por contraditório que pareça, o petróleo, que foi o berço da prosperidade, perdeu o posto de motor da economia. O óleo representa hoje 3% do PIB de Dubai. Em 2000, era 10%, e, em 1975, chegava a mais de 50%.

O turismo é hoje a atividade com maior peso na economia de Dubai, respondendo por 33% do PIB. O número de visitantes saltou de 700 mil em 1991 para 6,4 milhões no ano passado. A expectativa do governo é chegar a 15 milhões em quatro anos. A maior parte dos turistas vem dos países do Golfo, dos Estados Unidos e da Europa. Os brasileiros, devagar, começam a chegar. O fluxo aumentou nos últimos dois meses, com o início do vôo direto São Paulo-Dubai.

Existem hoje na cidade 317 hotéis com 42 mil quartos, mas não é suficiente. O governo espera elevar o número de acomodações para 100 mil em quatro anos. Metade dos quartos de hotel em Dubai são cinco estrelas, o que dá uma idéia do perfil do turista. O luxo é um conceito dominante nos outdoors, nas vitrines, nos cardápios, no vocabulário das pessoas.

Esta cidade vertical, onde tudo acontece dentro dos hotéis ou dos shoppings centers, foi praticamente construída do zero. Com os petrodólares no bolso, os árabes foram buscar "inspiração" em lugares como Paris, Nova York ou Veneza - com seus canais de água, um bem raro nas Arábias, a cidade italiana é admirada. Muitas vezes as combinações de estilos resultam em um gosto duvidoso.

O idioma poderia ser uma barreira para o turismo e para os negócios, mas o inglês está disseminado e é, inclusive, obrigatório nas escolas. Apenas 20% da população de Dubai é de nacionais, que recebem todo tipo de ajuda do governo, como educação, saúde, água ou energia grátis. A taxa de criminalidade é quase zero, um bem cada vez mais valorizado no mundo. A população local mantém suas tradições e é comum ver mulheres em túnicas pretas com o rosto coberto e os homens com suas túnicas brancas. No caso dos executivos, o traje típico é usado no trabalho ou em recepções formais, substituindo confortavelmente o terno e a gravata. Mesmo assim, a cidade, em comparação com outros lugares do Oriente Médio, é conhecida por sua tolerância e os turistas circulam à vontade em roupas de verão.

Apesar dos recursos financeiros, Dubai também coleciona uma série de problemas, característicos de toda aglomeração urbana que cresce rápido demais. O principal é o tráfego de veículos, que pára as amplas avenidas. Em algumas regiões, é quase impossível encontrar um táxi. No aeroporto, a lotação impressiona com passageiros deitados nos corredores, esperando a partida dos vôos para mais de 200 destinos. O aeroporto de Dubai tem capacidade para receber 24 milhões de passageiros. Neste ano, circularão pelo terminal 34 milhões. O preço do aluguel está nas alturas e puxa a inflação, que chegou a 13,5% nos Emirados Árabes Unidos, ameaçando a estabilidade da economia.

Os árabes estão resolvendo os problemas da única maneira que conhecem: construindo, construindo, construindo. Um novo terminal do aeroporto que será inaugurado em breve terá capacidade para 70 milhões de passageiros/ano. Também começou a sair do papel um projeto de US$ 4,2 bilhões para fazer 75 quilômetros e 47 estações de metrô em dois anos. O metrô terá capacidade para atender 1,2 milhão de pessoas, 80% da população. São incontáveis o número de projetos residenciais e de escritórios em andamento.

Desta maneira, o que é um problema se transforma em outra fonte de riqueza. A construção civil está "bombando" na cidade. Pesquisa da Proleads aponta 2.837 projetos em andamento no Golfo, estimados em US$ 2,4 trilhões, a maior parte na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos. Em Dubai, o horizonte é dominado por guindastes. "Acredito que devemos continuar nesse ritmo pelos próximos dez anos pelo menos", diz Ahmed Saif Belhasa, chairman da Associação das Construtoras dos Emirados Árabes Unidos.

O objetivo do xeque Al-Maktoum é transformar Dubai em um centro de negócios. Ele acredita que é a vocação da cidade, devido à localização. Dubai dá acesso aos países do Golfo, o que significa um mercado de 2 bilhões de pessoas, e é passagem obrigatória nas rotas marítimas entre Ocidente e Oriente. No porto da cidade, está situada a Jebel Ali Free Zone (Jafza), uma zona franca que abriga 7 mil empresas de 120 países. Com montadoras ou apenas armazéns, estão instalados nomes como JVC, Sony, Volvo, Daimler, Samsung, Dior ou Philips. O governo oferece uma série de vantagens: 100% de propriedade para estrangeiros (o que não é comum nos países árabes), tarifa zero de importação e isenção de impostos por 50 anos. "Basta dizer que não há impostos para os olhos dos executivos brilharem", diz Ahmed Al Haidan, coordenador de vendas da Jafza.

Assim como a Jafza, que é especializada em logística, Dubai é organizada em clusters, como a Dubai Media City ou a Dubai Internet City. A estratégia visa melhorar o foco dos negócios. Também estão se desenvolvendo clusters de alta tecnologia e bancário. O sonho do emir é transformar Dubai em uma nova Hong Hong, atraindo o lucrativo setor financeiro. Em 2004, o governo criou o Centro Financeiro Internacional de Dubai . O marketing da instituição vende que a cidade é o lugar ideal para preencher o "gap" entre os mercados de Londres e Nova York, no Ocidente, e Hong Kong e Tóquio, no Oriente. Desde que foi criado o centro financeiro, companhias como Merrill Lynch, Morgan Stanley, Goldman Sachs e Credit Suisse receberam ou solicitaram licença operacional.

Outra iniciativa interessante que combina finanças e tecnologia é a Tejari, que significa comércio em árabe. Trata-se de um espaço virtual que coloca em contato compradores e vendedores de 100 mil companhias em 14 países, como Líbano, Jordânia, Egito, Argélia, Paquistão ou Bangladesh. Segundo Omar Hijari, CEO da Tejari, a empresa chegará a China até o fim do ano. "Os compradores economizam dinheiro no mercado on-line, porque organizam leilões em que os vendedores oferecem o menor preço. Quando os fornecedores chineses estiverem no páreo, quem sabe o que pode acontecer", diz. Desde sua criação há sete anos, a Tejari movimentou US$ 4,5 bilhões em transações, US$ 1,3 bilhão apenas em 2006.

Enquanto a economia e a paisagem de Dubai se tornam cada vez mais high-tech, o processo político está bem atrasado. Muitos árabes acreditam que ainda não é hora para a democracia nessa região. "Para a geração do meu pai, os questionamentos da democracia são inconcebíveis", diz Haidan, da Jafza, que estudou nos EUA e defende maior abertura política no futuro. "Somos um país jovem", completa. A reportagem também ouviu críticas ao Parlamento do Kuait, que, na avaliação dos árabes, torna o processo decisório lento.

Graças à pujança da economia, o emir Al Maktoum é bastante popular. Ele é considerado um líder jovem, moderno, generoso e sua foto está nas repartições públicas, nos hotéis e em tamanho gigante na fachada de um prédio. O governo de Dubai divulgou recentemente seu planejamento até 2015. Al-Maktoum afirmou na ocasião que a "pop" Dubai de hoje é apenas 10% de sua "visão" para a cidade.