Título: Madeira põe em xeque o mercado livre
Autor: Schüffner , Cláudia
Fonte: Valor Econômico, 13/12/2007, Empresas, p. B10

Guimarães, presidente da Abradee, estima valor de pelos menos R$ 135 para energia destinada ao consumidor livre O leilão da hidrelétrica Santo Antonio criou um impasse para os consumidores livres de energia, que agora precisam decidir sua estratégia de contratação a partir de 2013. Quem apostar em alta de preços tem três opções: ficar no mercado livre, mas tentar contratar agora energia ao menor preço que garanta seu suprimento; apostar numa queda da tarifa e continuar exposto ao mercado "spot"; ou migrar para o mercado cativo das distribuidoras, que é regulado pelo governo. Esta possibilidade de migração para o mercado cativo se torna um limitador na negociação do consórcio para vender os 30% da energia que será destinada ao mercado livre.

A aposta do presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) é de que gradualmente haverá uma migração dos consumidores livres para o mercado cativo, onde ele vê uma tendência de preços decrescentes. Nesse cenário, o mercado livre, onde estão hoje empresas que consomem 25% da energia produzida no país, abrigará apenas uma quantidade residual de consumidores. "Em 2003 muitos foram para o mercado livre porque ele tinha preços baixos. Mas é um mercado sem preocupação com o longo prazo e que tende a oferta uma energia bem mais cara. Com relação ao mercado cativo, acho que teremos nos próximos anos um pico, seguido por um vale (de preços) quando entrarem em operação as hidrelétricas do Norte", disse o presidente da EPE.

Luiz Fernando Vianna, da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine) também acredita que o leilão de Santo Antonio aponta para a modicidade tarifária tanto para o mercado regulado como para o livre. "O dilema é decidir comprar energia agora ou mais na frente", admite.

O ano de 2013 é emblemático porque é quando já terão iniciado operação pelo menos duas duas máquinas de Santo Antônio, que só vai alcançar sua produção máxima de 2.218 megawatts (MW) de energia assegurada três anos depois. É quando também começam a vencer os contratos de venda da chamada "energia velha" leiloada em 2004 e 2005, já sob o novo modelo do setor elétrico e contratados na fase de transição dos dois modelos.

Trata-se da energia que foi leiloada em dezembro de 2004 em contratos com prazo de oito anos para entregas a partir de 2005, 2006 e 2007 e feitos na fase de transição do velho para o novo modelo do setor elétrico do país. Ao todo, serão 20 mil MW de energia disponível (16 mil MW nos primeiros anos) descontratada entre 2013 e 2015. Uma parte já começou a ser negociada antecipadamente e o restante - em volumes desconhecidos - estará disponível no mercado.

Uma parte dessa energia, hoje contratada pelo mercado cativo pode ser canalizada para o mercado livre. É energia gerada pelas usinas de Furnas, Chesf, Eletronorte, Eletrosul, Cemig, Copel, Tractebel, AES, Cesp e Duke. E hoje não se sabe a que preço ela será oferecida.

Quem decidir migrar para o mercado cativo e quiser estar nele em 2013 terá que informar no ano que vem a intenção de se tornar cliente de uma distribuidora de energia. Isso porque o modelo exige que essa informação seja dada com cinco anos de antecedência. Os consumidores cativos compram através de um pool, são regulados pelo governo e firmam contratos de compra de 30 anos no caso de novas hidrelétricas. Na avaliação de um experiente executivo do setor e presidente de uma distribuidora, se a energia "livre" de Santo Antonio for oferecida por um preço muito alto os consumidores vão migrar em massa para o mercado cativo.

A tarifa de R$ 78,87 da usina Santo Antonio (3.150 MW de potência instalada e 2.218 MW assegurados), deve servir de parâmetro para a construção dos grandes projetos estruturantes na Amazônia, como Jirau (3.300 MW) e Belo Monte (11.182 MW, dos quais 4.700 MW assegurados). Esse valor puxa para baixo o custo marginal da expansão do sistema elétrico no longo prazo.

Mas há no setor quem duvide que esse preço sirva de parâmetro para a energia futura, apesar da aposta de Tolmasquim, um dos formuladores do atual modelo elétrico. Até porque, em 2016, a hidrelétrica Santo Antônio vai atender apenas 7% da demanda por energia do país.

Um executivo de um dos dois consórcios que perderam a disputa pela hidrelétrica do rio madeira acha que o custo da energia no Brasil é crescente e que ninguém deve apostar em redução. "Não existem grandes projetos tão bons como os do rio Madeira. O preço vai continuar crescendo e volumes de energia como esse não aparecem a toda hora. Os projetos do Madeira são maravilhosos mas não suficientes para o que o Brasil precisa em termos de energia", avalia.

O analista de um grande banco de investimentos lembra que o país precisa acrescentar anualmente cerca de 3 mil MW médios de energia se a demanda continuar crescendo 4,8% ao ano e o PIB outros 4%. Nesse ritmo, o país precisará adicionar 30 mil MW nos próximos 10 anos. Contudo, as hidrelétricas que estão em fase de estudo de viabilidade - incluindo Jirau e Belo Monte - somam juntas 16,6 mil MW. Outros 8,3 mil MW estão em com estudos em fase de desenvolvimento, mas a maioria é de projetos no rio Teles Pires (3 mil MW), no Mato Grosso, onde também existem problemas ambientais. A demanda adicional precisará ser atendida por usinas térmicas.

Considerando que haverá escassez de oferta, o economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), vê o risco de tarifas muito baixas como as de Santo Antonio trazerem problemas estruturais para financiamento da hidrelétrica e das próximas obras, afastando investimento privado da Amazônia. "Quem no Brasil vai topar vender energia elétrica a R$ 50?", questiona Pires.

Pelos cálculos do presidente da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee) , Luiz Carlos Guimarães, com a usina de Santo Antonio a tarifa média da energia no Brasil - contando as hidrelétricas baratas e térmicas caras - permanece em torno de R$ 100 para o cliente cativo (distribuidoras). Para os consumidores livres, ao qual se destinarão 30% da energia dessa usina, o preço deve ficar entre R$ 135 e R$ 140, mas o valor que será negociando de fato ainda é desconhecido.

Se o comprador for um auto-produtor, poderá obter descontos. O presidente de uma empresa que já manifestou interesse em comprar essa energia declara que não aceita pagar mais de R$ 125. "Só vamos comprar essa energia tomando como limite o preços de térmicas recentemente vendidas no Nordeste", explica o executivo.