Título: A hora e a vez da agência de crédito à exportação do Brasil
Autor: Carvalho , Genésio
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2007, Opinião, p. A14

As empresas transnacionais (ETNs) brasileiras, em 2006, segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), registraram um fluxo de saída recorde do Investimento Brasileiro Direto (IED) de US$ 28 bilhões. A aquisição da Inco do Canadá pela Vale respondeu por US$ 17 bilhões e as aquisições dos ativos do Bank of Boston, pelo Itaú, e da American Express, pelo Bradesco, contribuíram com US$ 2,1 bilhões. O fluxo de entrada de IED foi de cerca de US$ 20 bilhões, com destaque para a aquisição do Banco Pactual pelo UBS, no valor de US$ 2,6 bilhões, revertendo os fluxos de saída do setor financeiro.

Recentemente, o volume de Initial Público Offering (IPO) da Bovespa e o ciclo atual para o IPO da BM&F confirmaram pelo mercado a classificação do Fundo Monetário Internacional (FMI): o sistema financeiro do Brasil é moderno e eficiente. Seu status de Tecnologia da Informação e Sistema de Pagamentos está à frente da Rússia, Índia e China.

O choque sistêmico dos subprimes americanos e a crise do crédito apontam para um novo papel das economias emergentes, que poderiam compensar o potencial hiato dos EUA no comércio internacional, representando este momento uma oportunidade estratégica para sua maior inserção.

A integração brasileira com a América Latina nos projetos de infra-estrutura vem crescendo e a atuação do BNDES-Exim na exportação de "project finance" tem sido expressiva. O governo Lula acertou com a reaproximação dos países africanos: nossos laços com Angola e Moçambique são oportunidades confirmadas pela recente reconquista da África do Sub-Saara, com o retorno gradual da "mother country" (Portugal) e dos bancos globais às colônias do ultramar.

O melhor agente para operar as políticas públicas do comércio exterior poderia ser uma Agência de Crédito à Exportação (ECA - Export Credit Agency) que possa concentrar e articular em uma única instituição governamental a missão de estabelecer uma política pública centralizadora para o comércio exterior, em atendimento ao trinômio básico - garantias, financiamento e seguros.

A ECA pode operar segundo um modelo de Banco de Exportação (Eximbank) ou de um Departamento Administrador de Garantias. Os exemplos são os gestores de garantias do Reino Unido (ECGD - Export Credits Guarantee Department) ou da Alemanha. Este último terceirizou para a iniciativa privada, por mandatos, a gestão de garantias dos empréstimos à Euler Hermes e a administração das garantias dos investimentos à PriceWaterhouse Coopers AEG.

A aquisição, pela Compagnie Française d´Assurance pour le Commerce Extérieur (Coface), das participações privadas em andamento na Sociedade Brasileira de Crédito à Exportação (SBCE), poderia pressionar as autoridades brasileiras a resgatar o conceito de adicionalidade e assumir seu papel na modernização, via centralização do sistema de financiamento, garantias e seguros do comércio exterior brasileiro.

A questão das garantias ao investimento brasileiro no exterior foi muito destacada no "affair" do gás Petrobras versus Bolívia, tanto pela ausência delas como pelas falhas das autoridades brasileiras nas negociações com o governo boliviano. Mas, Bolívia e Brasil, como membros das instituições de Bretton Woods (FMI e Banco Mundial), poderiam a qualquer momento do "stress" acionar o Centro Internacional para a Arbitragem de Disputas sobre Investimentos (Ciadi), do Banco Mundial. Um conflito entre governos seria mais facilmente gerido na câmara de arbitragem do Banco Mundial.

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O que as ETNs brasileiras privadas demandam, no entanto, é um seguro de risco político, concedido pelo governo, por uma agência de exportação centralizadora.

Outro ponto a destacar seria a utilização das reservas internacionais. O BNDES, técnica e justamente, está solicitando uma pequena parcela (US$ 5 bilhões) para financiar os projetos de infra-estrutura, mas outra adicionalidade para a utilização das reservas seria a constituição de um fundo que poderia fortalecer as ETNs brasileiras, com atendimento ao escopo do trinômio básico acima destacado, talvez mais concentrado na garantia do risco político.

A ECA também poderia agregar valor hospedando o fundo soberano - a China, afinal, utiliza seu Banco de Comércio Exterior para aquisições estratégicas, a exemplo da compra do "stake" de ações do Barclays Bank, do Reino Unido.

Estas diretrizes da ECA também estariam harmonizadas com as estruturas dos agentes atuais, conservando a tecnologia, o estoque de conhecimento e seus recursos humanos. O conceito de condicionalidade procura atender a pelo menos uma das seguintes situações: a ausência de alternativas de financiamento por parte do setor privado e, por outro lado, uma concorrência das ECAs nas alternativas de longo prazo para a transação considerada. A adicionalidade pode ser o grande catalisador. Sua introdução remete ao plano Marshall: "Se os governos não garantissem alguns riscos, o setor privado dos bancos e seguradoras não teriam como aceitá-los".

Os agentes atuais (exportadores e bancos comerciais) com o apoio do BNDES-Exim, IRB e SBCE, podemos dizer que têm cumprido o seu papel para as operações tradicionais: financiamento pré-embarque, pós-embarque, financiamento de médio e longo prazo e seguro de crédito para os riscos político e comercial. Acreditamos que, com o crescimento da carteira, o BNDES-Exim teria maior participação dos créditos dos financiamentos à exportação nos ativos do BNDES. A sua tendência, então, seria transformar-se em Eximbank, se a modelagem da política do comércio exterior caminhar nesta linha.

Outra modelagem que poderia corrigir a distorção do pouco uso do seguro no comércio exterior seria o de ECA à inglesa: uma agência estatal de garantias, subordinada a um conselho de administradores da iniciativa privada, sem vínculo com nenhuma instituição, reportando aos ministérios envolvidos (Fazenda e Desenvolvimento, Indústria e Comércio). Um conselho respondendo a dois ministérios aportaria maior governança e "accountability" (prestação de contas mais transparente) e, sem dúvida, poderia harmonizar potenciais disputas do "fogo amigo".

A responsabilidade deste conselho seria a gestão profissional macroeconômica dos financiamentos, seguros e resseguros do comércio exterior, e a determinação de limites de risco por "produto"/ área geográfica estendidos ao setor privado. O governo ampliaria, desta maneira, o seu papel, hoje limitado às dotações orçamentárias do Proex.

O escopo dos serviços de uma ECA não é competir com o setor privado, mas agir como "facilitador", gerir garantias, apoiar o investimento direto do país no exterior e otimizar as alternativas das estruturas dos agentes privados e governamentais atuais, além de suprir com os produtos e serviços complementares não fornecidos pelo setor privado quando necessário - seja financiamento ou seguro e resseguro -, e, para ser mais moderno, também gerir o seu fundo soberano.

William Delphos destaca, com propriedade, que as finanças e o sistema de gestão operados pelas ECAs podem ser considerados o "lubrificante do comércio internacional". Modernizar essas instituições pode estar no horizonte da Secretaria de Planejamento e Longo Prazo.

Genésio de Carvalho é autor do livro "Introdução às Finanças Internacionais" (Editora Pearson Education) e professor da Profins Business School.