Título: Abalos sísmicos
Autor: Cotias , Adriana
Fonte: Valor Econômico, 12/12/2007, EU & Investimentos, p. D1

Nem fundamentos nem estatísticas. É a análise dos sinais, técnica usada pela engenharia espacial para filtrar imagens e pelos sismólogos para prever terremotos, que mostra haver, no curto prazo, riscos de novos tombos para o Ibovespa. A metodologia, adaptada no Brasil pelo pesquisador do Ibmec-SP Marco Antonio Leonel Caetano, em conjunto com o professor Takashi Yoneyama, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), avalia o grau de estresse das bolsas nos períodos que antecedem crises. O estudo foi publicado na edição de setembro da "Physica A", revista científica americana especializada em modelos estatísticos aplicados ao mercado financeiro.

Quando as ações ou o índice ficam com preços muito próximos de compra e venda, sem assumir direção alguma e com grandes volumes negociados nas duas pontas, é um termômetro de que o mercado pode sucumbir a movimentos violentos, resume Caetano. Essa era a fotografia do Ibovespa em meados de outubro. Novembro veio e o caldo entornou.

Comparando-se as oscilações recentes do índice com as de outros mercados e incorporando também uma visão macro, o pesquisador infere que a zona de conforto para o investidor ingressar na bolsa seria na casa dos 56 mil pontos - algo bem distante dos 64.512 mil pontos atuais. "Pode haver picos de alta, mas ainda existe risco de baixa", adverte. É o que ele enxerga mapeando os movimentos do fim de outubro para cá, tanto pelo método que desenvolveu junto com Yoneyama, do ITA, como pela técnica de análise de terremotos, ponto de partida para o estudo. Atualmente, os sinais de viradas abruptas são menos claros, mas há indícios de correções lentas para um longo período.

Os pesquisadores se basearam no trabalho do geofísico francês Didier Sornette, do Departamento de Ciências Terrestres e Espaciais da Universidade da Califórnia, que em 2005 já previa o estouro da bolha imobiliária nos EUA e os efeitos perversos sobre o mercado acionário. Foi Sornette quem adaptou o modelo de terremotos para as bolsas, incorporando alguns ciclos periódicos. Assim, ele conseguiu vislumbrar fortes quedas para S&P500, embora sem uma identificação temporal.

Caetano e Yoneyama, por sua vez, expurgaram dos gráficos do Ibovespa e de algumas ações as linhas de tendência e substituíram o espaço matemático do tempo (dias, horas, anos) pelas freqüências das movimentações dos preços. São os ruídos que sobram dessa decomposição matemática que fornecem dados sobre a possível direção do mercado para um intervalo curto, de até 20 dias. "Quando há uma alta freqüência de movimentações com volatilidade baixa é um sinal de que o mercado está esperando algum evento para se definir e aí as mudanças tendem a ser abruptas", diz.

Para medir os efeitos da crise imobiliária nos Estados Unidos sobre o mercado financeiro mundial, os pesquisadores acompanharam o desempenho do índice Hang Seng, da bolsa de Hong Kong, 60 dias antes da queda generalizada dos pregões em agosto. As freqüências das oscilações nos dias que antecederam o tombo global foram significativamente maiores. No mercado brasileiro, acompanhado desde 2004, eles realizaram testes com o Ibovespa e com as cotações de Embratel, Gerdau e Usiminas, chegando a conclusões similares, para um diferente período de observação.

Para Caetano, apesar dos recordes recentes do Ibovespa, o mais preocupante é que, só neste ano, houve três grandes baixas nos mercados globais e o Brasil sofreu apenas escoriações - como quando a Petrobras anunciou a descoberta do Campo de Tupi e salvou a pátria para a Bovespa, num dia em que as bolsas mundiais estavam dilaceradas. De outubro para novembro, exemplifica, o Nasdaq caiu 11%, o Dow Jones 10% e o Ibovespa ficou devendo 9%.

"O nosso método é bom para medir mudanças abruptas, mas tem acertado para correções lentas de grande período", diz Caetano. "Será um pouso? Não sei, pois em momentos de turbulência tudo pode acontecer." A confirmação do corte de 0,25 ponto percentual no juro americano pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) ontem, que poderia ser um divisor de águas, confirmou que a crise não foi estancada. À iniciativa, já esperada, sucedeu um forte movimento de vendas de ações lá e cá.

Diferente da análise gráfica, baseada em médias, a técnica dos sinais avalia quais são as freqüências dominantes por trás das tendências. É a mesma metodologia aplicada na área espacial para filtrar imagens e trabalhar com ruídos. Sua origem data dos século 19, dos estudos desenvolvidos pelo físico e matemático francês Jean-Baptiste Joseph Fourier (1768-1830), que se juntou a Napoleão Bonaparte na expedição ao Egito, em 1798 - foi até nomeado governador do Cairo -, para depois escrever a Teoria Analítica do Calor, um marco na termodinâmica, que se constituiu num modelo matemático para avaliação de fenômenos físicos.

A análise de Fourier é uma das técnicas ainda hoje com maior aplicação prática. Tem, por exemplo, papel central nas telecomunicações e no processamento de imagens digitais. Graças a ela foi possível retirar a voz das canções e criar os populares aparelhos de karaokê ou ainda comprimir imagens em formato JPEG.