Título: Após ganhar usina Santo Antonio, Furnas prepara novas expansões
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Fonte: Valor Econômico, 17/12/2007, Empresas, p. B8

A hidrelétrica Santo Antônio, no rio Madeira, vai aumentar em 25% a participação de Furnas no mercado brasileiro de geração, mas isso é ainda pouco para a companhia, avalia o novo presidente da estatal, o arquiteto Luiz Paulo Conde. Ele diz que quer mais. "Vamos entrar em várias usinas, em tudo que aparecer. Não necessariamente com a configuração atual", disse ele, que ainda se recupera de um cirurgia para retirada de tumores na bexiga que o deixou fora da empresa por cerca dois meses.

A companhia planeja investir R$ 1,174 bilhão em 2008, pouco abaixo do R$ 1,2 bilhão deste ano. A lista de projetos inclui sete hidrelétricas e três linhas de transmissão. O valor não inclui a obra do Madeira, já que o financiamento para a usina será obtido por uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) que reunirá todos os sócios. Deste modo, Furnas se livra das atuais restrições que obrigam estatais a contribuírem para o superávit primário do Tesouro Nacional.

Se dizendo "pé quente", Conde afirma que a estatal vai disputar não apenas a hidrelétrica Jirau, a próxima a ser licitada no Madeira e que será leiloada em maio de 2008, como também a usina Marabá, no Tocantins, com leilão previsto para 2010. Ainda comemorando a vitória do consórcio que tem também Odebrecht, Cemig, Andrade Gutierrez e um fundo de investimentos, Conde contou que participou da decisão sobre o polêmico lance do consórcio - considerado baixo pelo mercado - por telefone. E confidenciou que a tarifa de oferecida no leilão - R$ 78,90 que depois foi reduzida para R$ 78,87 - foi estratégica e discutida longamente pelos sócios na véspera. Segundo ele, a decisão de começar por baixo foi consenso entre todos os sócios, inclusive Marcelo Bahia Odebrecht, presidente da empreiteira, que também estava na sala do leilão em Brasília.

Conde recebeu o Valor em sua sala, na sede da estatal, acompanhado pelo diretor de engenharia, Mário Márcio Rogar, e pelo assessor da presidência Boris Gorenstin, ex-diretor do Departamento Nacional de Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia no governo FHC, ex-assessor da estatal na gestão de Luis Carlos Santos e que foi também coordenador do programa de energia de Ciro Gomes (PPS) quando ele se candidatou à presidência da República. O ex-prefeito do Rio contou que a opção pela menor tarifa no início - o leilão previa uma disputa lance-a-lance caso houvesse uma diferença de preço de 5% - foi motivada pelo temor de que a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) - também subsidiária da Eletrobrás - oferecesse um lance inicial de R$ 77.

Um telefonema foi dado para Conde aos 30 minutos da manhã de segunda-feira para confirmar a decisão de fazer o menor lance logo no início. Dada a aprovação, Gorenstin e Rogar, que estavam em Brasília, contam que ninguém dormiu no restante daquela noite para não sonhar com o número em voz alta. "Fomos no limite. Por isso oferecemos um preço baixo logo no início. Não podíamos entrar em disputa e se alguém oferecesse menos do que isso, não poderíamos baixar nenhum centavo", contou Rogar.

Os dois outros concorrentes fizeram lances na faixa de R$ 90 - sendo de R$ 98,05 da Suez-Eletrosul e de R$ 94 do consórcio que tinha a Chesf, Camargo Corrêa, CPFL e Endesa - o que representou um empate técnico que exigiria nova rodada de lances se fosse necessário decidir o segundo colocado. Isso não foi necessário porque os vencedores ofereceram lance 19% abaixo da segunda menor tarifa, o que representou um deságio de 35% em relação ao preço máximo fixado pelo governo.

Vencido o leilão, que foi acompanhado da sede da empresa pelo presidente da Eletrobrás, Valter Cardeal, Conde disse que "choveram" empresas querendo se tornar sócias. Agora, o consórcio negocia a entrada da Vale, Votorantim, Gerdau e CSN, sem contar a Cemig que briga por uma fatia maior que seus 10% na sociedade de propósito específico (SPE) que será criada.

Ao buscar associar-se ao projeto Santo Antônio, os grandes consumidores buscam garantir parte dos 30% da energia da usina que serão destinados ao mercado livre e que terá uma tarifa maior. O preço que está sendo negociado continua em sigilo. Boris Gorenstin explica que a entrada desses sócios vai melhorar a estrutura financeira da SPE. Isso porque eles vão assinar contratos de compra de energia com prazo mínimo de 15 anos que serão usados como "lastro", o que vai garantir o financiamento do projeto com o BNDES.

Conde usa o interesse dos gigantes - todos auto-produtores e consumidores intensivos de energia - para rebater a enxurrada de críticas e análises negativas do mercado sobre a rentabilidade do projeto, que acabou derrubando as ações da Cemig e da Eletrobrás logo que o resultado foi anunciado. "Se fosse tão ruim, porque tantos iriam querer entrar?", questiona o presidente de Furnas.

Em seguida, ele fez uma avaliação do resultado do leilão dizendo que foi uma vitória importante porque vai contribuir para baixar o preço da energia no Brasil: "Temos hoje uma energia muito cara", disse Conde, garantindo que não houve qualquer orientação do governo para baixar o preço. "Eu apenas declarei que estava obedecendo aos critérios do presidente Lula e da ministra (da Casa Civil) Dilma Rousseff, que é o de baixar preço. Eu não vim aqui para aumentar o preço da energia no Brasil", afirma. Conde criticou o fato de algumas empresas trabalharem no Brasil com taxa média de retorno de 17% a 18%. "Hoje se tem uma rentabilidade muito alta no setor elétrico. Não pode", diz Conde. "Nos Estados Unidos se cobra US$ 0,50 e ninguém critica. Aqui nós vivemos no mundo da fantasia. Eu nunca vi alguém baixar preço e ser criticado. Para mim é uma coisa inusitada", afirma.

Boris Gorenstin é quem responde quando Conde é lembrado da suspeita de que as estatais estejam sendo usadas pelo governo para reduzir preços oferecendo nos leilões o que o mercado apelidou de "tarifa patriótica". Segundo o assessor, a tarifa é do consórcio, do qual Furnas tem participação de 39%, é formado por empresas privadas. "Como pode alguém falar em tarifa patriótica?" rebate Gorenstin.

Segundo ele, o consórcio vai decidir sobre quem será o construtor da obra. Ela será feita pela Odebrecht, que deve repassar uma parte para a Andrade Gutierrez. Gorenstin diz ainda que não procedem as avaliações negativas sobre a baixa taxa de retorno do primeiro projeto no Madeira. Segundo essas avaliações, o preço poderia inviabilizar a estrutura financeira desenhada pelo BNDES para investimentos de R$ 10 bilhões a R$ 12 bilhões, dada a taxa de retorno muito baixa. Uma demonstração do quanto essa avaliação preocupou o mercado foi a queda das ações da Cemig na semana passada .

"A conta fecha", diz Gorenstin. "Com as tarifas que já foram negociadas está garantida a capacidade de financiamento", garante, explicando que o consórcio trabalha com uma taxa interna de retorno do projeto "acima" de 8%. É a primeira vez que o número, mesmo aproximado, é divulgado. Relatórios de bancos chegaram a calcular que a taxa de retorno do consórcio fosse de 4,3% o que criaria problemas para o banco estatal financiar a obra.

"O que tem de diferente nesse projeto é a alavancagem, que é muito elevada, com financiamento de 75% do BNDES. Fora isso, todos os parâmetros do banco para o financiamento foram observados. Pela regra do BNDES o projeto só pode ser financiado se tiver uma taxa interna de retorno (TIR) acima de 8% e um índice de cobertura da dívida de 1,2%. Se a TIR for abaixo de 8% o índice de cobertura da dívida tem que ser maior que 1,3%. E isso foi observado. É claro que a meta tem que ser maior. Entenda que isso é para o projeto. Para o acionista a exigência é maior, com uma taxa de retorno de 12% ou 13%. Claro que existem outras variáveis que vão ser utilizadas na próxima licitação e por isso não posso falar", explicou Gorenstin.