Título: Concentração de eleições na AL preocupa
Autor: Cristiane Perini Lucchesi
Fonte: Valor Econômico, 24/01/2005, Finanças, p. C3

Os estrategistas acostumados a pensar mais no médio prazo alertam: a forte concentração de eleições presidenciais em países da América Latina de dezembro deste ano a outubro de 2006 deve trazer volatilidade extra aos mercados emergentes. As captações externas, inclusive os empréstimos, podem ficar mais difíceis. Os analistas recomendam antecipar as tomadas de recursos, principalmente para o primeiro semestre deste ano, aproveitando ao máximo cada uma das janelas de oportunidade. "Dinheiro a gente capta quando consegue e não quando quer", lembra José Olympio, responsável pela área de banco de investimento do CSFB. As eleições do Chile, em dezembro deste ano, não preocupam o mercado. As tensões maiores estão previstas nas eleições do Peru, em abril de 2006, e do México, em julho do ano que vem. "Mas o mercado sempre antecipa os acontecimentos e o nervosismo pode começar já no final de 2005", comenta Ricardo Amorim, estrategista do WestLB. No Peru, o grande temor dos investidores do mercado financeiro é a volta de Alan Garcia, que foi presidente do país vizinho de 85 a 90. Ele já mostrou força nas eleições presidenciais de 2001 e se firmou como o principal político de oposição ao desgastado governo do atual presidente, Alejandro Toledo. Nas eleições regionais e municipais de novembro último, a Aliança Revolucionária e Popular das Américas, que Alan Garcia manteve viva, apareceu como a única força política organizada do país. Os investidores não gostam de Garcia, pois, entre outros feitos, ele tentou nacionalizar os bancos em 87. "Ele foi incapaz de acabar com a inflação", critica Amorim. No México, uma fuga de capitais semelhante à vivida pelo Brasil em 2002 pode acontecer caso o prefeito da Cidade do México, Andres Manuel Lopez Obrador, do Partido Democrático Revolucionário, continue a despontar como o preferido nas pesquisas de opinião pública, em oposição ao governo impopular de Vicente Fox, do Partido de Ação Nacional. Visto como populista e ameaçando criar atritos com o governo americano, Obrador desagrada de tal forma a elite mexicana que há boatos no mercado financeiro de que ele pode até mesmo vir a ser assassinado caso se aproxime demais da vitória. É verdade que os investidores vêem avanços institucionais no México, cuja dívida é considerada investimento não-especulativo pelas principais agências de classificação de risco de crédito. Mas isso não impediria um estresse de consideráveis proporções no mercado se houver radicalização no quadro político. As eleições na Colômbia, em maio, não preocupam os investidores, com a provável reeleição de Álvaro Uribe. Em outubro, o Equador vai escolher seu presidente, mas o quadro político ainda não está definido, de acordo com Amorim. Os analistas ouvidos pelo Valor são unânimes no que diz respeito ao Brasil: se a disputa eleitoral for mesmo entre o PT e o PSDB, os investidores não terão com o que se preocupar nas eleições de outubro de 2006. Os dois partidos já mostraram na prática que pagam a dívida do país em dia e que seguem políticas fiscais e monetárias ortodoxas. Os investidores hoje sabem que o medo de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT, que causou o pânico eleitoral em 2002, foi injustificado. Portanto, se alguma tensão eleitoral respingar no mercado internacional para o Brasil, será por conta do México e do Peru. "Poderemos ter alguma antecipação de captações externas neste ano por conta das eleições na América Latina em 2006", concorda Marcio Guedes, diretor do Banco de Investimento do Citigroup Global Markets. "Nós esperamos que o governo federal do Brasil busque pré-financiar de US$ 1,5 bilhão a US$ 2 bilhões de suas necessidades do ano que vem em 2005, especialmente se considerarmos que 2006 será um ano eleitoral", dizem os analistas do Barclays Capital, Gautam Jain, Michael Hood e Gustavo Rangel. "Embora inúmeras democracias na América Latina tenham amadurecido, um ano de eleições tende a produzir grande turbulência e o mercado passa a duvidar se o novo governo vai querer cumprir de bom grado os compromissos de pagamento feitos por seu antecessor", diz John Welch, estrategista da Lehman Brothers. Ele não nega que o Brasil "acomodou com sucesso um candidato de esquerda e não entrou em moratória", o que traz tranqüilidade ao mercado. Welch descarta um movimento como o de 2002 no mercado por causa das eleições no Brasil. Mas afirma, no entanto, que espera que os governos da América Latina -para fugir da possibilidade de ter de enfrentar turbulências eleitorais em 2006- antecipem captações e operações de "gerenciamento de dívida" para 2005, como por exemplo troca de títulos. Citou o Brasil, o Peru e a Colômbia, mas não descartou a hipótese de outros países fazerem o mesmo. "Não estamos preocupados com o cenário político ou econômico neste momento, pois o mercado reconhece os avanços nos fundamentos do Brasil", diz Octavio Lazcano, diretor financeiro da CSN, que, apesar do caixa líquido de US$ 1 bilhão, acabou de captar US$ 200 milhões por dez anos aproveitando janela e antecipando captação para investimentos.