Título: Unificação do câmbio desburocratiza mercado, mas liberalização tem riscos
Autor: Altamiro Silva Júnior e Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 07/01/2005, Finanças, p. C2

O projeto do Banco Central de unificar o mercado de câmbio, antecipado pelo Valor na edição de ontem, pode ter reflexos positivos no investimento externo direto no Brasil, avalia Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e consultor da Tendências. A razão é que a medida vai desburocratizar o mercado cambial, com a unificação das duas legislações do segmento de câmbio flutuante e livre. Na prática, os dois segmentos já estão, desde 1999, unificados, mas têm arcabouços regulatórios diferentes. Para Loyola, essa dupla legislação acaba gerando confusões jurídicas. "Algumas operações eram contestadas juridicamente", diz. De modo geral, o câmbio livre (ou comercial) tem regras mais tradicionais e o flutuante, uma legislação mais favorável ao mercado. "Atualmente há um sistema legal que gera, além de problemas burocráticos, um risco jurídico", diz Loyola. Emílio Garófalo Filho, que já passou pela diretoria do Banco Central, também concorda que a principal vantagem da unificação será a menor burocracia. "Pelas regras atuais, os bancos têm de contabilizar tudo separadamente. Com a mudança, isso não mais será preciso", diz. O projeto do BC também prevê a simplificação de alguns procedimentos, como os investimentos dos brasileiros no exterior. Pelas novas regras, as transações acima de US$ 5 milhões pelo câmbio flutuante vão precisar apenas ser notificadas ao BC. Hoje, elas precisam de autorização prévia da autoridade monetária. "O Brasil já está quase maduro para ter liberdade cambial", diz Garófalo. Na avaliação de Loyola, uma maior liberalização da conta de capital exige um "seqüenciamento correto", ou seja, o restante da economia (como os sistemas financeiro e tributário) também tem de estar com desempenho favorável. "Caso contrário, corre-se o risco de uma fuga de capitais", alerta. Alguns analistas destacam que a possibilidade de o BC dispensar a autorização prévia a remessas de capital em volume superior a US$ 5 milhões é tão grave, em épocas de crise internacional séria, quanto a ausência completa de controles sobre a entrada em períodos de euforia e otimismo. Se o capital aplicado vai embora, apesar da atratividade do juro real de 11% ao ano hoje praticado no Brasil, é porque o investidor passou a duvidar da capacidade do governo de honrar o pagamento. Trata-se, na essência, de uma distorção localizada na política monetária, não na cambial. E se os juros forem baixos, em linha com os praticados nos outros países emergentes, o controle de capitais não se faz necessário. É por isso que alguns analistas argumentam que a liberação cambial é incongruente com a política monetária apertada, para combater a inflação. Para economistas de instituições de menor porte, todas as medidas destinadas a liberar o câmbio, tornando mais fáceis a entrada e a saída de capitais, visam a ampliar a credibilidade do BC junto ao mercado. Tal credibilidade consiste na reiterada garantia de que o BC nada fará contra a livre movimentação dos capitais. O argumento principal da escola que defende a liberdade cambial completa é o de que se o BC não tiver controle algum sobre o câmbio, estará provando aos investidores que não há risco algum. Se as autoridades brasileiras deixam as portas abertas para entrada e saída, se conclui que jamais cometerão algum ato de "moral hazard". "Se você estiver na rua e um indivíduo estiver andando com seu pit bull sem coleira, você deve concluir necessariamente que o dono não seria louco o suficiente para deixar um cachorro bravo solto. Logo, o tal pit bull é manso, não há o que temer. Mas, se o cachorro estiver preso a uma coleira e usando focinheira, haverá perigo total. O cão deve ser tão bravo que nem a coleira nem a focinheira darão segurança a você, que deve correr imediatamente dali", compara um economista.