Título: Sem saída fora da Rodada Doha
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2005, Brasil, p. A2

O reinício das negociações da Rodada Doha, na semana que vem, em Genebra, será fundamental para conseguir algum avanço na estratégia comercial brasileira. Durante os feriados de Carnaval no Brasil, o sub-representante comercial americano, Peter Allgeier, colocou uma pá de cal na idéia brasileira de negociar um acordo bilateral entre o Mercosul e os Estados Unidos restrito a acesso a mercados. "Um acordo de acesso a mercado não é de interesse dos EUA", disse Allgeier durante uma palestra a empresários em Washington. O sub-representante comercial terá um encontro com o embaixador brasileiro Adhemar Bahadian no fim deste mês para discutir a possibilidade de retomada das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Allgeier também deixou claro que qualquer acordo com os EUA teria que incluir cláusulas de cumprimento de compromissos de propriedade intelectual assumidos na Organização Mundial do Comércio. Em março, Brasil e EUA avaliarão o progresso do combate à pirataria no país, e os EUA decidirão "nos próximos meses", segundo Allgeier, se o Brasil manterá o status das preferências comerciais concedidas pelos EUA, que está ameaçado pelo descumprimento de exigências relativas a patentes. A menos que haja um grande avanço na Rodada Doha, as perspectivas para a negociação da Alca melhoraram um pouco, mas continuam ruins. Tendo em vista a paralisação da Alca, o Brasil começou durante o Carnaval a negociar o acordo de acesso a mercados com o Canadá, mas só definiu a agenda e as modalidades de negociação. A necessidade premente de cortar o déficit público fez o presidente George W. Bush cortar em cerca de 5% a previsão de concessão de subsídios agrícolas na proposta de orçamento enviada ao Congresso na segunda-feira. O teto para pagamento a empresas agrícolas será de US$ 250 mil anuais, ante US$ 360 mil hoje. A redução, se aprovada pelo Congresso, representará um avanço, mas ainda fica longe de mudar de maneira relevante o efeito distorcivo dos subsídios no comércio agrícola internacional. De qualquer maneira, será a primeira redução de subsídios agrícolas desde a aprovação da "farm bill" em 2001, que aumentou exponencialmente os pagamentos a agricultores nos EUA. Mesmo assim, os cortes no financiamento agrícola no orçamento de 2006 (começa a ser executado em outubro deste ano) ainda estão longe da meta das negociações em Doha, que é a eliminação total de subsídios à exportação agrícola, acompanhada de redução drástica dos subsídios internos e abertura de mercados.

Expectativa é chegar a um consenso em Hong Kong

Num relatório divulgado ontem pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a América Latina, estima-se que um corte de 50% dos subsídios agrícolas pelos EUA elevariam as exportações de arroz, trigo, grãos e sementes oleaginosas do Brasil e Argentina em 9%. Uma redução de subsídios pela União Européia e Japão também de 50% elevaria as exportações agrícolas da América Latina em 20%. "O maior benefício da abertura viria de negociações bem-sucedidas de melhora do acesso de exportações da região como produtos agrícolas e têxteis", afirma o relatório do Fundo. Algumas declarações de Allgeier, entretanto, dão a entender que os EUA e Canadá vão colocar como condição para progresso na questão dos subsídios agrícolas a maior abertura por parte de países em desenvolvimento. "Países como o Brasil e a África do Sul terão que fazer sua parte abrindo o mercado também para importações agrícolas", disse o sub-representante comercial dos EUA. Além disso, o americano mencionou a necessidade de maior abertura para bens industriais e serviços (telecomunicações e serviços financeiros, por exemplo). A expectativa é chegar a um consenso em dezembro deste ano, na reunião ministerial da OMC em Hong Kong, sobre o calendário das negociações previstas para término em 2006. O diretor-adjunto de relações internacionais da Fiesp, Carlos Cavalcanti, que participou da discussão com Allgeier, diz que há setores da indústria mais sensíveis à abertura, mas que não é possível generalizar a indústria brasileira como protecionista. Alguns países em desenvolvimento ameaçam colocar em discussão em Doha, para contrabalançar essa exigência, os critérios usados pelos países desenvolvidos, em especial os EUA, para impor tarifas antidumping e salvaguardas sobre importações. Segundo uma fonte próxima a executivos do USTR, o departamento de comércio, a insistência na discussão de regimes de antidumping poderia provocar uma implosão das negociações da Rodada. "Seria impossível aprovar no Congresso uma mudança drástica em programas antidumping. No máximo, o Brasil e outros países em desenvolvimento podem usar essa parte da discussão como moeda de troca para evitar grandes concessões na área industrial. Mas se insistirem muito nisso, não vão conseguir avançar", afirmou. A negociação será crucial para o futuro do crescimento brasileiro, mas não será fácil.