Título: Dólar barato afeta conta de turismo
Autor: Raquel Landim e Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2005, Brasil, p. A3

A valorização do real está estimulando os brasileiros a viajar mais para o exterior e deve começar a deteriorar a conta de turismo, que em 2004 obteve o melhor resultado desde 1989, com um saldo de US$ 350 milhões. Foi o segundo superávit seguido. As agências de viagem já relatam aumentos de 10% a 30% na venda de pacotes para fora do país. Os gastos dos brasileiros no exterior cresceram com força ao longo de 2004, atingindo US$ 313,3 milhões no mês de dezembro, 51,7% a mais do que em dezembro de 2003. Mas, a despeito da apreciação do câmbio, os gastos dos estrangeiros no Brasil também aumentaram no ano passado, batendo em US$ 334,7 milhões em dezembro, 20% a mais do que no mês de 2003. Com a expectativa de um real mais apreciado neste ano, a conta de viagens internacionais deve caminhar para a estabilidade ou para pequenos déficits. De acordo com Valter Patriani, diretor de vendas da CVC, o dólar flutuando ao redor de R$ 2,60 ajuda o consumidor a tomar a decisão de viajar para o exterior. "Ninguém acha que vai viajar com o dólar a R$ 2,60. Mas com o dólar mais baixo a cada dia, as pessoas têm mais vontade de viajar", diz. Foto: Magdalena Gutierrez/Valor

Valter Patriani, diretor da CVC: "Com o dólar mais baixo a cada dia, as pessoas têm mais vontade de viajar"

A operadora, uma das maiores do país, espera aumentar em 30% as vendas de pacotes para o exterior em 2005 na comparação com 2004. Com o fim do Carnaval, a CVC prepara-se para começar uma campanha de marketing estimulando o consumidor ao "comprar agora o seu pacote e aproveitar o câmbio". Patriani explica que a alta do real também ajuda a baratear os pacotes para destinos no Brasil. Isso porque caem os gastos das companhias com aviões fretados, o que reduz o preço das passagens áreas. A CVC estima um crescimento de 25% nas vendas de pacotes domésticos em 2005. Segundo João Martins, presidente da Associação Brasileira de Agências de Viagem (Abav), as grandes operadoras do país estimam um crescimento de 15% na vendas de pacotes para o exterior e 18% nos pacotes internos durante a temporada do verão 2005 em comparação com o mesmo período em 2004. "O dólar e o turismo funcionam como uma gangorra. Se cai o dólar, aumenta o turismo", diz Martins. O diretor de assuntos internacionais da Abav, Leonel Rossi Jr, estima que o movimento de turistas brasileiros para o exterior deve aumentar 15% em 2005, por conta do câmbio e do crescimento da economia. "Desde setembro o câmbio exerce uma forte atração", explica Rossi Jr. De acordo com Martins, a valorização do dólar ante o euro está alterando os destinos escolhidos na hora de viajar. Os pacotes para os Estados Unidos, especialmente para a Disney, voltam a ganhar a preferência dos brasileiros, apesar das dificuldades para obter o visto. Os turistas também optam pela América do Sul, com destaque para Argentina e Chile, e por cruzeiros no Caribe. Em contrapartida, as vendas de viagens para a Europa estão em queda. "Viagens para a Europa são proibitivas para a maior parte dos brasileiros", resume o economista-chefe do ABN AMRO, Mário Mesquita. A Intercontinental Operadora, com sede em Vitória (ES), registrou aumentou de 15% nas vendas de pacotes para o exterior no período do Carnaval. Segundo Edson Rodrigues, diretor comercial da empresa, o movimento para os EUA aumentou muito e os vôos estão lotados, até mesmo para Nova York. Rodrigues atribui o bom desempenho, que não se via desde os atentados terroristas do 11 de setembro, ao câmbio atrativo. Para o ano, a Intercontinental espera aumentar as vendas em 15%. A conta turismo chegou a registrar déficit de US$ 4,4 bilhões em 1997, na época da sobrevalorização do real, quando o economista Gustavo Franco comandava o Banco Central. Agentes de turismo e economistas descartam, porém, qualquer risco de uma piora similar ao registrado no início do Plano Real. Além da dimensão do estímulo do câmbio ser muito menor, o impacto tende a ser minimizado pelos turistas que chegam ao país. O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet), é um dos que não acreditam na repetição de déficits semelhantes aos dos tempos de Gustavo Franco. "O país não deverá repetir os mesmos erros do passado", afirma ele, lembrando que o câmbio ficou muito tempo sobrevalorizado na primeira fase do real. Manter a moeda apreciada por um período tão longo pode pôr a perder o ajuste externo dos últimos anos, segundo Lacerda. A Intercontinental também atua trazendo turistas estrangeiros para o país. A maioria dos clientes da empresa está na Argentina, Chile, Portugal e Espanha. A agência não espera queda nas vendas por conta da valorização do real. Pelo contrário. Trabalha com a perspectiva de um aumento de 20%. Rodrigues explica que o custo de vida no Brasil para um turista argentino ou chileno é praticamente igual ao do seu país de origem. Já no caso dos europeus, a desvalorização do dólar em relação ao euro torna o Brasil um destino bastante atrativo. "O euro custa hoje cerca de R$ 3,50. 20 centavos a menos não fazem a menor diferença para o europeu", diz ele, acrescentando que esse consumidor tem um poder aquisitivo mais alto. O atual nível do câmbio de fato não afugenta estrangeiros do Brasil, como mostra o forte aumento dos gastos de estrangeiros por aqui em 2004, que deixaram US$ 3,2 bilhões no país, o recorde da série histórica do BC, iniciada em 1947. É um valor 30% superior ao registrado em 2003. O presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização (Sobeet), Antônio Corrêa de Lacerda, lembra que o real valorizou-se bem menos ante o euro, o que torna o país ainda atraente aos europeus. Na verdade, o que a apreciação do real provoca é um aumento rápido de viagens de brasileiros ao exterior, diz ele. Lacerda avalia que, depois de registrar superávits em 2003 e 2004, a conta de turismo caminha para a estabilidade neste ano. A expectativa de Lacerda é de que o câmbio permaneça apreciado nos próximos meses, mas que depois se desvalorize um pouco, provavelmente no segundo semestre. No entanto, se o dólar continuar barato por muito tempo, há a possibilidade de que a conta volte a ficar no vermelho. Mesquita, cauteloso, avalia que a tendência é uma redução do superávit do ano passado. Lacerda ressalta que mesmo o superávit registrado na conta de turismo em 2004, de US$ 350 milhões, é muito modesto, principalmente se comparado ao de países como a Espanha, que obtêm desse setor receitas significativas em moeda forte. De janeiro a outubro de 2004, por exemplo, o saldo de viagens internacionais da Espanha ficou positivo em 24,552 bilhões de euros, projetando um total de 30 bilhões de euros para o ano todo. É daí que vem o maior volume de dólares da conta corrente espanhola. Lacerda destaca ainda que a falta de infra-estrutura adequada também contribui para o Brasil receber menos dólares do que o potencial turístico do país permitiria.