Título: Os sem-emprego
Autor: David Kupfer
Fonte: Valor Econômico, 09/02/2005, Opinião, p. A9

Como foi amplamente noticiado, pela primeira vez desde o início, em 2001, da nova versão da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do IBGE, a taxa de desemprego caiu para um dígito. Com os 9,6% de dezembro, a taxa de 2004 ficou em 11,5%, contra 12,3% no ano anterior. Embora a reversão da tendência de ampliação do desemprego, que já durava quase uma década, mereça registro, não há, de fato, muito o que celebrar. Os dados da PME de dezembro também revelam que a queda na desocupação baseou-se na criação de mais empregos informais ou sub-remunerados, já que foram esses os segmentos do mercado de trabalho que apresentaram expansão mais significativa em 2004. Diga-se de passagem, essa é, também, a principal razão pela qual o salário médio insiste em se manter em trajetória de queda, a despeito do bom desempenho da produção no ano passado. Se os dados sobre a evolução recente do mercado de trabalho podem parecer algo confusos ou até contraditórios, nada melhor do que virar a lente para um período histórico mais longo. Segundo as Contas Nacionais do IBGE, entre 1990 e 2003 o emprego total na economia brasileira expandiu-se de 58,5 milhões para 67,3 milhões de trabalhadores, um acréscimo de cerca de 8,8 milhões de postos de trabalho (15%). Em 13 anos, portanto, isso significou a criação média de somente 673 mil empregos anuais ou uma taxa média anual de expansão de 1,08%. São números claramente insuficientes, principalmente quando se sabe que a entrada de novos postulantes a trabalho no Brasil é da ordem de 1,7 milhão de pessoas por ano.

Se os números da geração de empregos, observados no nível agregado, parecem pouco animadores, quando analisados em termos da composição estrutural tornam-se assustadores. Como mostra a tabela ao lado, no período 1990-2003 seis atividades apresentaram geração positiva de emprego: comércio, serviços pessoais e sociais, serviços empresariais, transportes e comunicações, administração pública e serviços não-mercantis. Em conjunto, esses setores foram responsáveis pela geração de 12 milhões de novos empregos, cerca de 40% da base existente em 1990. Em especial, os serviços empresariais, como conseqüência do pujante movimento de terceirização da década de 1990, destacou-se como o setor mais dinâmico, proporcionando expansão do emprego de 120% no período. No entanto, em números absolutos, os principais responsáveis pela geração de empregos foram comércio, serviços pessoais e serviços não-mercantis, não por acaso atividades que concentram a maior parte do subemprego e da informalidade no mercado de trabalho. Dentre as atividades que eliminaram empregos, que incluem os comercializáveis - agropecuária e indústria - e ainda construção civil e utilidades públicas e setor financeiro e aluguéis, destaca-se o ramo agropecuário, que apresentou contração de 14,8% (2,2 milhões de pessoas). Já o setor financeiro e aluguéis reduziu o contingente de pessoal em quase 20%. A indústria eliminou pouco mais de 600 mil empregos nos 13 anos, redução de 6,6% em relação à base existente em 1990. Chama a atenção o fato de que o maior contingente de desempregados industriais está nos setores de insumos básicos (mineração, siderurgia, metalurgia, química, cimento etc.) e de maior conteúdo tecnológico (automóveis e autopeças, bens de capital, bens eletrônicos etc.), exatamente os que pagam os melhores salários, São também os setores que capitanearam o processo de modernização com expansão das exportações do período. Mesmo indústrias tradicionais (alimentos, têxtil, vestuário, calçados, papel e gráfica etc.), intensivas em mão-de-obra, não foram capazes de gerar empregos no período analisado. Finalmente, a construção civil parece se encontrar em um estado de "hibernação". De tradicional carro-chefe da criação de empregos, tornou-se atividade desempregadora, mesmo não tendo incorporado progresso tecnológico no ritmo tão acelerado quanto o verificado na indústria e no setor financeiro. É certo que o problema do emprego no Brasil atual apresenta uma dimensão quantitativa e outra qualitativa. A dimensão quantitativa - gerar empregos - pode e deve ser enfrentada com doses sucessivas de crescimento econômico, como os dados de 2004 parecem evidenciar. O problema qualitativo - gerar empregos de qualidade - depende adicionalmente de políticas de emprego eficazes. Primeiro, como o processo de modernização do campo brasileiro, motivado pelo rápido desenvolvimento do agronegócio de exportação, de alta produtividade, está longe de completar-se, é provável que a agropecuária permaneça como foco de eliminação de empregos, a menos que políticas compensatórias, agrícolas e agrárias, redefinam espaços para a agricultura familiar e de subsistência. Segundo, vem se tornando lugar comum afirmar que a indústria não tem mais capacidade de criar postos de trabalho. Mas mesmo que não possa mais fazê-lo diretamente, a indústria tem o poder de fazê-lo indiretamente, como espaço privilegiado de geração de demanda de trabalho nos segmentos de serviços de maior qualificação. Para isso, é necessário criar os incentivos para que essas demandas possam florescer. Terceiro, a reativação da construção civil terá papel importante na geração de empregos, em especial, se incluir a construção habitacional, saneamento e outras atividades intensivas em mão-de-obra. São iniciativas que parecem cada vez mais distantes das prioridades da política econômica. Esse quadro não deixa dúvida de que o modelo econômico brasileiro é perverso em relação ao mercado de trabalho. O enorme contingente dos sem-emprego que o diga.