Título: Alta de preços será mais forte em 2008, prevêem analistas
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/12/2007, Brasil, p. A4

Salomão Quadros: "No jogo de forças entre fundamentos altistas e baixistas, estamos quase com um empate técnico"

O sinal amarelo está aceso. Após a forte expansão da economia em 2007 - já apontado como o provável melhor ano do ponto de vista econômico para o segundo mandato do governo Lula, dadas as previsões menos otimistas para os próximos anos - , o cenário que se projeta para o próximo ano é de crescimento menos acelerado e com maior pressão inflacionária, tanto em preços monitorados como nos grupos de preços livres.

Muitos serviços administrados ainda têm a correção atrelada aos Índices Gerais de Preços (IGPs), que deixam herança perversa para 2008 em função da forte alta dos alimentos em 2007. Depois de dois anos muito baixos (alta inferior a 1,4% em em 2005 e de 3,6% em 2006, considerando o IGP-DI), esses índices vão encerrar 2007 próximos a 7%. Além dos administrados, o câmbio pode perder o papel de âncora dos últimos dois anos.

Os mais pessimistas acreditam inclusive que há risco de o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ultrapassar o centro da meta de 4,5% em 2008 - situação não totalmente descartada para 2007.

"No jogo de forças entre fundamentos altistas e baixistas, pode-se dizer que estamos quase com um empate técnico. Não há sinais de descontrole, mas o cenário exige atenção", avalia o coordenador de análise econômica da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Salomão Quadros. Ele prevê para o IPCA variação acima de 4%, mas ainda abaixo da meta, de 4,5%. "Dificilmente a inflação vai baixar em relação a este ano", afirma.

Um fator ainda divide a opinião de economistas ouvidos pelo Valor: os rumos do câmbio no próximo ano, com o enfraquecimento da economia americana, e os efeitos do quadro internacional sobre a política monetária brasileira e sobre os preços dos "tradeables" (produtos comercializáveis no mercado externo). "A redução do risco-país e a queda dos juros nos EUA podem atrair mais capital estrangeiro para o Brasil e valorizar o real. A questão é saber como a confiança na economia americana afetará o Brasil", diz Leonardo Mello de Carvalho, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

A MB Associados prevê desvalorização do real frente ao dólar - câmbio de R$ 1,85, com viés de alta. "O câmbio mais apertado não exercerá efeito tão positivo nos "tradeables" como neste ano. Eles também terão variação maior de preços", avalia Sérgio Vale, economista-chefe da MB. A consultoria prevê inflação de 4,5% no próximo ano, podendo ultrapassar a meta do governo. Segundo Vale, também ocorrerá pressão inflacionária no grupo de produtos de preços administrados (combustíveis, energia elétrica, telefonia, medicamentos, educação), muitos deles reajustados com base no IGP deste ano, projetado em 8%.

O Unibanco é enfático: a taxa de inflação vai superar a meta do governo, chegando a 4,7% no terceiro trimestre, fechando 2008 a 4,6%. Parte da variação decorrerá de uma desvalorização do real frente ao dólar, para um câmbio médio de R$ 1,85. "É ainda um cenário de crescimento robusto do mercado doméstico, de atividade industrial muito forte, de expansão dos investimentos e de inflação em preços livres e monitorados", afirma Adriano Pires Lopes, economista do Unibanco.

Para os preços administrados, Lopes prevê variação de 4,8%, ante 1,7% neste ano e para os preços livres, alta de 4,5% ante 5,4% em 2007. A diferença se dará pela alta de alimentos próxima a 5% ( 10% este ano). O cenário, segundo Lopes, ainda será estável o suficiente para a manutenção da taxa de juros em 11,25%.

A Rosenberg & Associados também projeta depreciação do câmbio para R$ 1,85, fator que também contribuirá para pressionar a inflação, estimada em 4,4% no próximo ano. O consultor Luís Fernando Azevedo prevê alta nos preços livres de 4,7%, pouco menor que neste ano, em torno de 5,2% - resultado de elevação mais suave nos preços de alimentos. Já os preços administrados devem variar 3,8%, ante 2,1% neste ano, puxados pelos reajustes vinculados à variação do IGP deste ano. "Neste ano, os administrados tiveram uma grande contribuição da energia, que caiu 5,8%, e da gasolina, que recuou 1,7% de janeiro a novembro. Em 2008, esse itens não terão queda de preços", afirma Azevedo.

É consenso entre as consultorias que o grupo de administrados terá alta superior à de 2007, contribuindo para a inflação. Também é consenso que o grupo de preços livres terá variação menor, graças, sobretudo, ao desempenho dos alimentos, que terão variação entre 4% e 4,5%, inferior aos 9,66% no acumulado de 12 meses até novembro (praticamente o dobro do IPC do período, de 4,61%).

A perspectiva dos economistas ainda é de valorização nos preços das commodities, pelo menos até a colheita de safra no Hemisfério Norte, no primeiro semestre. Os preços ainda devem se manter valorizados em função do quadro internacional de redução dos estoques de grãos (sobretudo soja e milho) e de demanda aquecida nos países do Sudeste Asiático. Outro fator apontado é a maior utilização do milho para produção de etanol nos EUA e a tendência do país de reduzir a produção de outros itens agrícolas para incrementar o cultivo do milho.

Para Fábio Silveira, sócio da RC Consultores, se não houver quebras de safra em níveis substanciais, a relação entre oferta e demanda de grãos será mais confortável e os preços tendem a recuar no mercado internacional. Ele cita como fatores que podem ajudar a controlar os preços de alimentos a desaceleração da economia americana e a possibilidade de retração da economia chinesa, dada a queda na bolsa de Xangai desde outubro (indicador antecedente do desempenho do PIB chinês).

"A economia americana deve crescer 1,5% em 2008, contra 3% neste ano, o que enfraquece o comércio internacional e, em decorrência, os preços de commodities e de produtos industriais", afirma Silveira. Ele prevê redução nos preços de commodities entre 5% e 10%, com o índice CRB (cesta das 24 commodities mais negociadas, incluindo petróleo à soja) encerrando 2008 em queda de 7%. A RC projeta a inflação em 4,2%, com câmbio entre R$ 1,92 e R$ 1,95 e crescimento do PIB de 4% a 4,5%.

Do lado contrário aos que prevêem desvalorização do real frente ao dólar no próximo ano estão a Tendências Consultoria e a LCA Consultores. A Tendências aposta na apreciação do real, chegando a R$ 1,65 no fim de 2008, resultado de possível redução da taxa de juros pelos EUA e manutenção da Selic, tornando o Brasil mais atrativo ao investimento estrangeiro. "A leitura que fazemos hoje é que o câmbio vai contribuir para manter a inflação em níveis favoráveis", afirma Jean Barbosa, economista da Tendências. A consultoria projeta para o próximo ano um IPC de 3,5%, com viés de alta, ante 4,2% neste ano. As pressões inflacionárias devem se concentrar nos grupos de alimentos e preços administrados. O crescimento do PIB é estimado em 4,4%.

A LCA Consultores também prevê valorização do real, com câmbio fechando 2008 a um patamar médio de R$ 1,70, o que pode ajudar a segurar a inflação em patamar de 3,8%. "O grande volume de investimentos vai se refletir no aumento da capacidade industrial, diluindo um pouco a pressão de oferta. Com isso pode haver um déficit em conta corrente de US$ 5 bilhões em 2008, mas o risco-país e a taxa de juros ainda continuarão atraentes, mesmo se houver desaquecimento da economia americana", avalia Francisco Pessoa Faria, da LCA. A consultoria estima redução da Selic a 10,25% até o fim de 2008.